Conheça a Teoria da Mente, que trata da habilidade de compreender e interpretar os estados mentais de outras pessoas

Ilustração de silhuetas de cabeças humanas, em perfil, ligadas por setas e linhas que as conectam simultaneamente. Crédito: kotoffei/iStock

Fig 1. As trocas que estabelecemos com os outros contribuem para o desenvolvimento do nosso cérebro. A ilustração evidencia essa conexão entre os cérebros humanos (linhas coloridas). Crédito: kotoffei/iStock

 

Imagine que o menino Maxi está ajudando sua mãe a guardar compras e coloca um chocolate dentro do armário verde. Ele vai até o pátio e, na sua ausência, a mãe pega o chocolate para fazer um doce e coloca o restante dentro do armário azul. Ela sai e Maxi retorna com fome. Onde Maxi vai procurar o chocolate? Se respondeu no armário verde, significa que conseguiu inferir que Maxi tinha uma crença diferente da realidade. A história de Maxi e do chocolate é um teste que foi desenvolvido por pesquisadores (Wimmer e Perner) na década de 1980 e tem como objetivo avaliar a compreensão de crenças falsas. A habilidade de compreender e interpretar os estados mentais, isto é, características como percepções, sentimentos e desejos e reconhecer que os outros podem ter crenças e intenções diferentes da suas vem sendo chamado de “teoria da mente”.

 

Quando desenvolvemos essa habilidade?

A capacidade de se imaginar no lugar dos outros é uma habilidade sofisticada. Testes como o do Maxi e do chocolate aplicados em crianças indicam que o ser humano passa a apresentá-la entre os quatro e seis anos de idade. No entanto, a idade exata não é uma unanimidade entre pesquisadores. A linguagem empregada nos testes, diferenças socioeconômicas e outros fatores também poderiam explicar por que crianças menores falham nesses testes.

Segundo o Dr. Fernando Freitas, psicólogo, professor e pesquisador do Laboratório de Estudos e Pesquisas em Saúde Mental e Atenção Psicossocial da Escola Nacional de Saúde Pública da Fiocruz (LAPS/Ensp/Fiocruz), a teoria da mente pode ser abordada por diferentes enfoques teóricos, ou seja, pode ser discutida, por exemplo, sob o ponto de vista da psicanálise, cognitivo-comportamental, neurológico ou filosófico.

No campo da psicanálise, explicou o pesquisador, após o nascimento, haveria um período inicial de maior dificuldade de interação, uma fase mais egocêntrica, voltada para atender nossas próprias necessidades. Pouco a pouco, no entanto, vamos passando a reconhecer a presença do outro, principalmente da mãe biológica, e, depois, compreendemos a figura de um terceiro, por exemplo, o pai ou companheiro(a) da mãe ou outra pessoa que rompe a relação de exclusividade com a mãe.

A evolução da comunicação, por outro lado, se iniciaria já no útero materno. Isso porque, antes mesmo do nascimento, o bebê já se comunica musicalmente, isto é, por vibração. “A vibração da voz, dos sentimentos, entre outras, já é sentida por nós no útero. O medo, a alegria, tudo isso tem vibração. Antes da palavra, nós somos musicais por vibração”, explicou o Dr. Fernando em entrevista do portal Invivo, acrescentando que, quando nascemos, passamos a ter a habilidade de interpretar, por exemplo, pelo olhar, pelo toque. Nesse período, explicou, começamos a interagir. “Existe interação, comunicação e todos os equívocos da comunicação. As mensagens têm duplo sentido; começamos a entender o sentido e a ambiguidade do sentido”, afirmou.

O especialista lembrou que a incorporação do outro é essencial para que exista o sujeito. “Precisamos incorporar o outro, nos colocar no lugar do terceiro. Só somos quem somos graças à socialização”, afirmou.

 

Mas será que a capacidade de se colocar no lugar do outro é exclusiva do ser humano?

Estudo sugerem que essa habilidade não é exclusiva do ser humano. Na verdade, a expressão ‘teoria da mente’ começou a ser difundida no final da década de 1970 justamente quando começaram a ser realizados experimentos sobre cognição animal, ou seja, estudos que investigavam os processos de aquisição de conhecimento, de aprendizado entre outros animais. Um dos primeiros grupos estudados foram os primatas, mais especificamente os chimpanzés.

 

Três chimpanzés relaxam em uma área de vegetação. Um deles está deitado com a cabeça sobre o braço. Crédito: Klaus Post/ Wikimedia Commons

Fig 2. No estudo de Premack e Woodruff, um chimpanzé adulto assistiu vídeos em que um ator humano enfrentava problemas diversos. A cada vídeo, o primata recebia um conjunto de fotografias. Entre as imagens, havia uma que trazia uma solução para o problema. O chimpanzé foi capaz de selecionar as fotografias que traziam as soluções dos problemas representados nos vídeos. Crédito: Klaus Post/ Wikimedia Commons

 

O artigo “Os chimpanzés têm uma teoria da mente?”, dos autores David Premack e Guy Woodruff, publicado na Inglaterra em 1978, levantou a hipótese de que os chimpanzés seriam capazes de entender a intenção do comportamento humano. Posteriormente, pesquisas apontaram que outros animais, por exemplo, algumas aves, cachorros e peixes também apresentariam componentes da teoria da mente.

 

Peixe azul, com listra preta, clicado ao centro. Crédito: François Libert / Flickr

Fig 3. Espécie de peixe limpador (Labroides dimidiatus). Estudo publicado em 2021 na Communications Biology mostrou que fêmeas dessa espécie conseguem identificar quando não estão sendo observadas e trapaceiam para obter uma refeição melhor. Crédito: François Libert / Flickr

 

Quando a habilidade de compreender as intenções dos outros está comprometida

O comprometimento da habilidade de reconhecer e interpretar as crenças e intenções dos outros pode estar associado a diferentes problemas de saúde .Os testes que lançam mão das tarefas de crenças falsas, tal como o do Maxi, vêm sendo aplicados em vários grupos sociais e os resultados mostram que crianças com transtornos do espectro de autismo, em geral, têm maior dificuldade nessas atividades.

As pesquisas também revelam que a capacidade de compreender as intenções dos outros está frequentemente comprometida em pessoas com esquizofrenia. Segundo o Dr. Fernando, os pesquisadores tentam entender como essas patologias e como o sofrimento que depende da interação são criados.Sabe-se, por exemplo, explicou, que quanto mais cedo se é vítima de trauma, de maus-tratos e de violência (física, sexual ou psicológica), maiores são problemas.

 

Fontes consultadas:

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Por Teresa Santos

Data Publicação: 29/03/2022