Fig 1. SUS nasce após manifestações populares que pediam por uma reforma sanitária no país. Crédito: Fundo Cláudio Amaral/Casa de Oswaldo Cruz (COC/Fiocruz)

 

Conheça como se deu a criação do SUS e descubra por que o Sistema Único de Saúde se tornou um modelo reconhecido internacionalmente

Em algum momento da vida, você já deve ter recorrido ao Sistema Único de Saúde (SUS) – seja para acertar o calendário vacinal, tratar alguma doença ou até mesmo vacinar seu pet. Atualmente, o SUS atende a mais de 190 milhões de pessoas no país. Cerca de sete em cada dez brasileiros dependem dele para ter acesso a serviços de saúde. Mas você sabe como se deu a criação do SUS? Vamos descobrir como essa história começou e por que esse sistema é tão importante.

 

A criação do SUS

A criação do SUS no Brasil foi formalizada pela Constituição Federal de 1988 e regulamentada pelas Leis 8.080/90 e 8.142/90, as chamadas Leis Orgânicas da Saúde. A iniciativa representou um dos maiores avanços sociais do país e se tornou um modelo de saúde pública reconhecido internacionalmente.

O SUS nasceu em meio ao processo de retomada da vida democrática, após mais de duas décadas de ditadura militar, isto é, o regime autoritário que foi instalado no país entre 1964 e 1985.

O novo sistema de saúde é fruto da luta de diversos movimentos sociais, profissionais da saúde e intelectuais. Os idealizadores procuravam respostas para superar a desastrosa situação social e sanitária deixada pela ditadura. Crescia, assim, a defesa da saúde como um direito fundamental e universal.

A saúde antes do SUS

 

Fig 2. Antes da criação do SUS, a população mais pobre recorria principalmente a instituições como as Santas Casas de Misericórdia e à caridade pública. Na imagem, a Santa Casa de Misericórdia de Santos (SP) entre 1900 e 1950. Crédito: Museu Paulista/Domínio público/Picryl

 

Antes do SUS, o sistema de saúde brasileiro era muito desorganizado e excludente. Predominava um modelo de oferta de serviços muito fragmentado. O atendimento médico-hospitalar era voltado principalmente para trabalhadores com carteira assinada, por meio dos Institutos Nacionais de Previdência Social (INPS). A população mais pobre e sem vínculo empregatício formal ficava à margem, dependendo de instituições filantrópicas como as Santas Casas de Misericórdia ou da caridade pública.

O resultado desse processo era uma parcela bastante significativa da população brasileira sem acesso à assistência à saúde. Além disso, o povo vivia em condições sociais e sanitárias muito difíceis.

A semente para a mudança começou a ser plantada na década de 1970, com o Movimento pela Reforma Sanitária Brasileira. À frente da iniciativa estavam intelectuais como Hésio Cordeiro (1942-2020), Sérgio Arouca (1941-2003), Cecília Donnangelo (1940-1983) e David Capistrano (1948-2000). Esse grupo, junto a profissionais de saúde e entidades civis, passaram a denunciar as desigualdades. Também criticavam o fato de a saúde ser tratada como uma mercadoria, defendendo que deveria ser considerada um direito de todos e dever do Estado.

Constituição Federal ganhou artigo sobre saúde

O movimento que resultou na criação do SUS enfrentou diferentes fases e momentos importantes. Mas o ápice da mobilização se deu com a 8ª Conferência Nacional de Saúde, realizada em 1986. Com uma participação inédita da sociedade civil, a conferência se tornou um divisor de águas, consolidando as propostas que seriam a base do SUS. As discussões resultaram em um consenso político importante sobre a necessidade de um sistema de saúde público, universal, integral e descentralizado no país.

 

Fig 3. Votação do texto relativo à saúde pelo Congresso Constituinte, 1988. Crédito: Wikimedia Commons

 

Assim, a redação do artigo 196, que trata da saúde na nossa Constituição de 1988, passou a representar um importante marco da luta pela saúde e pela melhoria das condições de vida:

“A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.”

Veja que esta redação não só define a assistência à saúde como um direito daqueles e daquelas já acometidos por alguma doença, mas também obriga o Estado a prover melhores condições de vida para o cidadão, diminuindo as chances de adoecimento.

 

Por dentro dos princípios do SUS

Fig 4. Universalidade é um dos princípios do SUS. Crédito: Paulo Pinto/Agência Brasil

 

O sistema de saúde passou a ser fundamentado em princípios e diretrizes essenciais, sendo uma delas a “universalidade”. Ser universal significa que o SUS e os serviços de saúde devem ser acessíveis a todo cidadão brasileiro, independentemente de sua condição social, raça, gênero ou local de residência.

Outro princípio do sistema é a “integralidade”. Ele se refere ao direito a atendimento completo, ou seja, as pessoas devem ter acesso da promoção da saúde e prevenção de doenças até o tratamento e a reabilitação da saúde.

A lista de princípios conta ainda com “equidade”. Segundo esta ideia, as ações do SUS devem ser voltadas para a redução das desigualdades. Elas devem priorizar o atendimento a populações mais vulneráveis e adaptar os serviços às necessidades específicas de cada grupo ou região. Ou seja, este princípio fala da necessidade de tratarmos desigualmente os desiguais para que sejam, ao final, mais iguais.

 

Como o SUS está estruturado

Fig 5. Unidades básicas de saúde fluviais em Manaus (AM). Crédito: Marcelo Camargo/Agência Brasil

 

No que se refere à organização propriamente dita, o SUS é “descentralizado”. Ou seja, a gestão e execução das ações de saúde são divididas entre as três esferas de governo: federal, estadual e municipal. Dentro dessa dinâmica, a municipalização é a base, aproximando o serviço do cidadão. Lembra do posto ou do centro de saúde perto da sua casa? Ele é uma estrutura municipal.

Além disso, o SUS é “hierarquizado”. O que isso quer dizer? Isso significa que os seus serviços são organizados em níveis de complexidade crescente. São ofertados serviços desde o atendimento primário (postos de saúde e unidades básicas) até atenção em hospitais de alta complexidade, onde são realizadas cirurgias e outros procedimentos complexos, como transplantes de órgãos.

Por fim, não menos importante, o SUS prevê a “participação social”. Isso mesmo! As pessoas têm o direito e o dever de participar da gestão do SUS. Essa regulação acontece por meio dos Conselhos e Conferências de Saúde. A prática garante o controle social sobre políticas públicas, ajudando o SUS a ser melhor e atender às necessidades do cidadão.

 

Da criação do SUS aos desafios de hoje

É claro que desde sua implementação, o SUS enfrentou e continua enfrentando inúmeros problemas e desafios. Entre eles, estão o subfinanciamento crônico, a má gestão em algumas localidades, a alta demanda por serviços e as pressões de diferentes interesses, como da indústria farmacêutica e dos planos de saúde privados. Tudo isso são obstáculos constantes para alcançarmos o SUS que queremos e precisamos.

Apesar dos desafios, precisamos reconhecer que as conquistas do SUS são inegáveis e impactam diretamente a vida de milhões de brasileiros. É o SUS que garante a vacinação em massa, controlando e erradicando doenças. Ele também realiza transplantes de órgãos e oferece tratamento para doenças crônicas como câncer e AIDS. O atendimento de urgência e emergência é outra atribuição do SUS. Acima de tudo, o SUS garante o acesso à saúde aqueles que não teriam outra forma de assistência. Isso não é pouco.

 

Fig 6. Equipes de Saúde da Família garantem atendimento médico domiciliar. Crédito: Paulo H. Carvalho / Agência Brasília/Flickr

 

Durante a pandemia de Covid-19, por exemplo, a relevância do SUS ficou ainda mais evidente. Foi o sistema público que permitiu a coordenação da resposta nacional. Ele quem viabilizou a testagem, o rastreamento, o atendimento aos doentes e a campanha de vacinação em proporções continentais. Todas essas ações comprovam sua capacidade de se recuperar frente a adversidades e a necessidade de seu fortalecimento contínuo.

A criação do SUS foi um ato de coragem e visão, que transformou a saúde de um privilégio em um direito. Apesar dos desafios persistentes, ele permanece como um pilar fundamental da cidadania brasileira, um patrimônio que precisa ser constantemente defendido e aprimorado para garantir o bem-estar de toda a população. Você precisa do SUS e o SUS também precisa de você!

 

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Fontes consultadas:

ESCOREL, Sarah. Reviravolta na saúde: origem e articulação do movimento sanitário. Editora Fiocruz, 1999.

NORONHA, José Carvalho de; LIMA, Luciana Dias; MACHADO, Cristiani Vieira. “O Sistema Único de Saúde – SUS”. In: Lígia Giovanella et al (Orgs.).Políticas e Sistema de saúde no Brasil. Rio de Janeiro: Ed. Fiocruz, 2012: 365-394.

 

Por Carlos Henrique Paiva (equipe Observatório História & Saúde)

Esse texto faz parte de um especial pelos 35 anos do SUS, realizado pelo Observatório História & Saúde (Casa de Oswaldo Cruz / Fiocruz) em parceria com o Invivo.

Data Publicação: 19/09/2025