
Fig 1. Alunos da EJA do DF visitaram Quilombo Mesquita, na Cidade Ocidental (GO), e conheceram como a comunidade tem conseguido atender a vários Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). Crédito: Acervo pessoal
Conheça como o modo de vida quilombola e outras ações sustentáveis inspiraram estudantes da Educação de Jovens e Adultos (EJA)
Esse texto faz parte de uma série de reportagens produzidas a partir de trabalhos premiados no 13º Circuito de Ciências das Escolas Públicas do Distrito Federal, uma ação da Secretaria de Educação do DF.
Existe um lugar, distante cerca de 50km do centro de Brasília (DF), onde 20% do espaço é utilizado para moradia e produção de alimentos, e 80% da área é de vegetação nativa e protegida do Cerrado. Esse lugar é o Quilombo Mesquita, na Cidade Ocidental (GO), fundado no século 18 por pessoas escravizadas que fugiram de fazendas da região. A comunidade enfrenta desafios de regularização da terra, dificuldade de acesso a serviços de saúde, educação e infraestrutura, mas tem resistido e preservado sua cultura afrobrasileira e seu território. O que podemos aprender com essa comunidade para melhorar nossa convivência com o meio ambiente e nossa sobrevivência como seres humanos?
A questão motivou o projeto “Nosso futuro é ancestral”, realizado com estudantes da Escola dos Meninos e Meninas do Parque. O trabalho ficou em primeiro lugar no 13º Circuito de Ciências das Escolas Públicas do Distrito Federal, em 2024, na categoria 2º Segmento da Educação de Jovens Adultos (EJA). Desde 1995, a Escola funciona no Parque da Cidade de Brasília, e é uma das poucas do país voltadas à educação e formação de pessoas em situação de rua e vulnerabilidade social. A instituição possui um currículo flexível e métodos adaptados a partir da realidade dessas populações.
A professora Ana Raquel de Mesquita Garcia, uma das orientadoras do projeto, contou que os estudantes já vinham discutindo na escola sobre direitos básicos e exclusão social. Outros temas debatidos eram a destruição do planeta e o adoecimento, além de formas alternativas de viver sem esgotar os recursos naturais, como fazem as comunidades indígenas e quilombolas. O exercício tinha como base textos e vídeos do poeta, escritor, professor, ativista político e líder quilombola Antônio Bispo dos Santos, conhecido como Nêgo Bispo, e Ailton Krenak, liderança indígena, ambientalista, filósofo, poeta e escritor.
Com o debate, surgiu a ideia de uma visita ao Quilombo Mesquita:
— A pergunta central seria: o que faz essa comunidade ter resistido e sobrevivido por quase 300 anos? A gente jogou essa ideia para os estudantes, e eles toparam. Porque as técnicas de resistência para pessoas que têm acesso à terra poderiam servir também para pessoas que não têm esse acesso. Claro que isso muda completamente o cenário, mas só o fato de conhecer melhor o imaginário contracolonial pode ser uma ferramenta de resistência nas ruas, apesar de toda a exclusão, explica Garcia.
Durante a visita, os estudantes da EJA conversaram com lideranças comunitárias, aplicaram questionários, fizeram observações e registraram dados sobre as práticas de gestão de água, energia e alimentos, e sobre as relações sociais.
De volta à escola, a análise desses dados revelou que o Quilombo Mesquita, em uma escala de 0 a 3, apresentava índice de sustentabilidade de 1,87 e estava próximo dos princípios agroecológicos. Também atendia a 10 dos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), isto é, metas mundiais da Organização das Nações Unidas (ONU) para garantir um mundo melhor até 2030 (Agenda 2030).
Outro resultado importante foi perceber como os laços sociais, a solidariedade e a cooperação estavam presentes na comunidade. “A visita foi muito boa. As pessoas foram acolhedoras e hospitaleiras. Aprendi muita coisa. Eu nem sabia que um lugar como aquele existia, só de ouvir dizer nos livros de história”, destaca Ivo Gonçalves, um dos estudantes autores do projeto ganhador.
Higiene do lar também pode ser sustentável

Fig 2. Estudantes do DF produziram sabão a partir de óleo de cozinha usado. Eles utilizaram equipamentos de proteção individual (EPIs), pois a atividade envolve reagentes químicos que exigem cuidado no manuseio. Crédito: Acervo pessoal
O protagonismo dos estudantes também foi fundamental no projeto “Produção artesanal dos produtos de higiene do lar como estratégia para preservação dos biomas”. O trabalho foi desenvolvido no Centro de Ensino Fundamental 113 do Recanto das Emas, e venceu o 13º Circuito de Ciências das Escolas Públicas do Distrito Federal, em 2024, na categoria 1º Segmento da Educação de Jovens e Adultos (EJA). Os estudantes, em sua maioria, já tinham experiência de produzir sabão a partir de óleo de cozinha usado.
“Quem nunca tinha feito sabão, pelo menos, já tinha visto algum parente fazendo, uma tradição que foi passando de geração para geração, às vezes até por uma questão financeira”, comenta o professor Joel Ferreira. Ferreira foi um dos orientadores do projeto, que aproveitou esse conhecimento dos estudantes para abordar questões ambientais. “Se faziam sabão a partir do óleo usado por necessidade, o projeto teve a pretensão de mostrar que essa é uma ação também de cuidado com o meio ambiente”, completa.
Os estudantes descobriram que o óleo utilizado para fritar batata, salgadinhos e outros alimentos, além do impacto na saúde, pode trazer prejuízos ambientais e econômicos quando descartado de modo incorreto, como no ralo da pia, no vaso sanitário ou no lixo comum. Esse óleo não só entope tubulações, como dificulta e encarece o trabalho nas estações de tratamento de água. “Estamos tão acostumados a abrir a torneira de casa e sair água que nem nos damos conta desse processo todo de tratamento”, alerta o professor. Se o óleo chega aos rios, reduz a entrada de luz e a oxigenação da água, afetando todas as formas de vida aquática. No solo, altera a permeabilidade e ainda pode atrair pragas, como baratas e ratos.
Por isso, é tão importante armazenar o óleo usado e entregá-lo em postos de coleta seletiva, ou reciclá-lo, utilizando-o como matéria-prima para fabricar sabão caseiro. Foi o que os alunos fizeram! Nas aulas noturnas, discutiram modos de preparo, testaram receitas, ajustaram e chegaram ao produto final, apresentado no Circuito de Ciências. Mas atenção! Todo o processo de fabricação foi feito sob supervisão e utilizando todos os equipamentos de proteção individual (EPIs) necessários.
O sabão que criaram mostrou-se eficiente para limpar a casa, lavar roupas e higienizar as mãos, entre outras aplicações. Os estudantes, alguns já idosos, levaram amostras para a feira de ciências e abordavam os visitantes para mostrar como funcionava. “Nós, professores, éramos coadjuvantes. O projeto era deles”, alegra-se Joel. “Eu não sabia como era importante participar de uma feira de ciências, mas, agora que eu sei, quando me chamarem de novo, eu vou. Gostei demais, porque me senti reconhecida”, diz Osmarina Batista de Souza, uma das alunas autoras do projeto.
(Re)conexões com o coletivo

Fig 3. Com trabalhos de arte, alunos da EJA do DF aprenderam sobre as plantas do Cerrado. Crédito: Acervo pessoal
Experiência semelhante foi vivenciada por Maria Conceição de Jesus Vasconcelos, estudante que participou do projeto “Nosso bioma também é arte”. O estudo foi desenvolvido no Centro Educacional Myriam Ervilha, na Região Administrativa de Água Quente, e também apresentado no Circuito de Ciências. “Eu achava que eu era pequenininha e, então, eu estava lá, no meio do povo, apresentando um trabalho valioso, falando com as avaliadoras. Hoje, estou pronta para enfrentar qualquer coisa. Tirei de mim aquele preconceito de que eu não era nada”, afirma.
O projeto de Maria Conceição e colegas ficou em segundo lugar no 13º Circuito de Ciências das Escolas Públicas do Distrito Federal, em 2024, na categoria 2º Segmento da Educação de Jovens e Adultos (EJA). Os estudantes pesquisaram e levantaram informações científicas sobre espécies vegetais do Cerrado. O diferencial do trabalho, porém, foram as atividades extraclasse e o desafio de transformar o conteúdo em uma produção artística.
Os alunos foram incentivados a explorar e se conectar com o local onde vivem, a partir de um olhar diferenciado. A ideia era estar atento aos elementos naturais, à biodiversidade e ao impacto das ações humanas na região. Nesse trabalho de campo, coletaram itens como folhas, gravetos, flores e sementes que, posteriormente, foram desidratados e utilizados na composição criativa de telas.
— A região onde a gente mora é um Cerrado que ninguém dava valor, mas eu vi a grandiosidade que é preservar aquela natureza. Eu admirei tudo, identifiquei flores, frutos. Peguei as folhinhas verdes, coloquei dentro de um livro e debaixo do colchão, para imprensar, e depois levei para a escola, para fazer o quadro, descreve Maria.
Proatividade nas tarefas, coordenação motora, valorização do território, trabalho em equipe e gestão do tempo foram algumas das habilidades desenvolvidas pelos estudantes da EJA. “O ganho está justamente em mostrar que o aprendizado não é meramente teórico e maçante, coisa para se decorar ou ser cobrado, mas algo vivo que se adquire experimentando, testando, medindo, analisando e comparando”, conclui o professor John Land Carth, um dos orientadores do projeto.
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Por Fernanda Marques, do Núcleo de Educação e Humanidades em Saúde (Jacarandá) da Escola de Governo Fiocruz – Brasília
Data Publicação: 29/07/2025
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