
Fig 1. Estudantes do DF mapearam áreas próximas da escola desmatadas e com vegetação preservada. Crédito: Acervo pessoal
Voltados a solucionar problemas reais, projetos de ciências no ensino médio aguçam o senso crítico, potencializam habilidades e abrem oportunidades
Esse texto faz parte de uma série de reportagens produzidas a partir de trabalhos premiados no 13º Circuito de Ciências das Escolas Públicas do Distrito Federal, uma ação da Secretaria de Educação do DF.
Você já teve a impressão de que a sala de aula está mais quente depois que derrubaram árvores nas proximidades da escola? Estudantes do Distrito Federal transformaram esse incômodo em um projeto de pesquisa. Além de produzirem evidências científicas comprovando que aquela impressão era, de fato, real, os jovens do Centro Educacional (CED) 01 do Itapoã discutiram propostas para aliviar os impactos desse problema. A iniciativa foi um dos projetos de ciências premiados no 13º Circuito de Ciências das Escolas Públicas do Distrito Federal.
Pinheiros plantados na região administrativa da escola nos anos 1980 foram retirados sob a justificativa de que não eram nativos do Cerrado, estavam velhos e sob risco de queda. “O problema é que essa ação não foi acompanhada pelo reflorestamento com espécies do Cerrado”, destaca o professor de matemática Adriano Santos, um dos orientadores do projeto ‘Os impactos da arborização urbana no conforto térmico do Paranoá e entorno’. O trabalho ficou em 3º lugar na edição do ano passado da premiação, na categoria Ensino Médio Regular, Itinerário Formativo por Área do Conhecimento (IFAC) e Itinerário Formativo de Formação Técnica e Profissional (IFTP).
A partir das imagens de satélite da ferramenta Google Maps, os estudantes investigaram a região da escola para o projeto de ciências. Eles identificaram áreas desmatadas e com vegetação mais preservada. Após esse mapeamento, foram até os locais identificados, onde fizeram medições de temperatura e umidade. Os dados revelaram que, nas áreas arborizadas, a temperatura era mais baixa. Já a umidade era mais alta, o que permitiu que o grupo concluísse que a arborização contribui para o conforto térmico.
“Não dizemos ‘não’ para o aluno que quer fazer ciência. Incentivamos os projetos que os estudantes propõem e é gratificante ver o impacto na comunidade escolar”, ressalta a professora de física Tabata Alves, também orientadora do projeto.
Os jovens analisaram, ainda, uma série histórica de dados meteorológicos do Distrito Federal. A investigação mostrou a tendência de aumento das médias de temperatura nos últimos anos. E a equipe chegou a idealizar um aparelho de monitoramento que, ao detectar um índice crítico, acionaria automaticamente umidificadores de ar instalados na escola.

Fig 2. Em sala de aula, estudantes analisaram dados referentes à arborização da região da escola coletados em campo. Crédito: Acervo pessoal
“Essa junção da ciência com o cotidiano expandiu nossos horizontes”, afirma Pâmela Marques, aluna que participou do projeto e, hoje, estuda agronomia da Universidade de Brasília (UnB). Ela conta que, quando iniciou o ensino médio, não tinha o objetivo de ingressar na universidade, mas o projeto de ciências e o incentivo dos professores transformaram sua vida.
Os resultados do projeto de ciências impulsionaram debates sobre a necessidade de políticas públicas de reflorestamento e recomposição do Cerrado para a garantia da qualidade de vida dos moradores da região. “Os alunos aprenderam a argumentar, participar de discussões, defender suas opiniões, reclamar e não aceitar as coisas do jeito que elas estão”, diz o professor Adriano.
Miguel Medeiros, estudante que também participou do projeto e, hoje, estuda ciências biológicas na Universidade Federal do Piauí (UFPI), relembra vários momentos especiais vividos durante o projeto. “Foi marcante, por exemplo, a visita que fizemos a um viveiro que produzia mudas de plantas típicas do Cerrado para replantio”, exemplifica. “O projeto nos ensinou a trabalhar em grupo e a formar senso crítico”, sublinha Miguel. Atualmente, ele faz iniciação científica na graduação e planeja seguir carreira docente, inspirado pelos professores que teve.
Pequenos espaços, grandes resultados

Fig 3. Horta desenvolvida por alunos do Centro de Ensino Médio (CEM) Paulo Freire. Crédito: Acervo pessoal
Se você só tivesse 1m² de terra, conseguiria produzir uma quantidade significativa de alimentos? Em outro dos projetos de ciências de ensino médio selecionado pelo 13º Circuito de Ciências, jovens do Centro de Ensino Médio (CEM) Paulo Freire, no Plano Piloto, mostraram que isso é possível. Eles fizeram uma intervenção na escola e verificaram a potência de uma pequena horta, com custo inicial de implantação inferior a R$100.
“A proposta era fazer uma horta mais sustentável, mais econômica e que pudesse auxiliar no combate à fome”, explica a professora Leila Abreu, uma das orientadoras do projeto “Educando com horta de um metro quadrado”, que ficou em 2º lugar na mesma categoria.
Foi um parceiro da escola, o agricultor e especialista em gestão ambiental Juarez Martins, quem apresentou o método para os estudantes. A horta tem como base uma estrutura quadrada de madeira, com 25 pequenos quadrados por linha, onde são plantadas as sementes e mudas. Canos de PVC são instalados em um dos lados para dar suporte ao crescimento de determinadas espécies. Aliás, a posição das espécies dentro do quadrado é fundamental. Essa organização permite otimizar o crescimento das plantas, impedindo que uma atrapalhe o desenvolvimento da outra. Todo o planejamento considera as características de cada espécie e aspectos como sombra, necessidade de nutrientes, entre outras. Completa a estrutura um minhocário, posicionado no meio da horta. Esse método surgiu nos Estados Unidos, mas foi adaptado à realidade brasileira.
— Os estudantes participaram do projeto desde a concepção teórica, com estudos sobre plantas, profundidade das raízes, clima, trajeto do Sol. Tiveram que estudar geografia, matemática, geometria. Pesquisaram sobre nutrição para testar como essa horta sustentaria as necessidades de legumes e verduras de uma pessoa, detalha Leila. Após os estudos iniciais, identificaram o melhor local para a horta na escola e iniciaram sua implantação.
“O mais divertido era a gente se reunir para trabalhar e debater, falar como estava indo o projeto, o que a gente podia fazer para melhorar”, lembra Caio Ribeiro, atualmente no 2º ano do ensino médio. Os jovens também se entusiasmaram com a construção da estrutura de madeira, porque muitos, pela primeira vez, usaram ferramentas como serrote e parafusadeira.

Fig 4. Jovens trabalharam com madeiras e outros elementos durante a construção de horta na escola. Crédito: Acervo pessoal
Uma vez implantada a horta, os estudantes, com o apoio da comunidade escolar, assumiram a rega e demais cuidados. Também acompanharam e registraram a velocidade de crescimento de cada espécie e o tempo até a colheita. “Eles nunca tinham visto pé de alface com haste, flor e semente. Francamente, eu também nunca tinha visto”, comenta a professora Leila. “Muitos não comiam nem sabiam o que era um rabanete, por exemplo. Também passaram a conhecer e a se alimentar mais de verduras, que, por serem muito perecíveis, não são frequentes na merenda escolar”, acrescenta a educadora.
Também aluna do 2º ano do ensino médio, a jovem Lívia Souza conta que melhorou seus hábitos alimentares depois de participar do projeto de ciências. “Vimos a grande diferença entre um tomate plantado e cultivado por nós mesmos e outro que passou por processos de transformação e agrotóxicos. Até o sabor muda!”, destaca a estudante, que aprendeu até com os problemas enfrentados. “A gente teve que lidar com formigas cortadeiras. Foi bem complicado, pois elas estavam acabando com a nossa horta”, recorda. A situação gerou uma oportunidade de aprendizado sobre manejo ecológico de pragas. “Resolvemos com casca de arroz e chá de mamona feito pelas ‘tias’ da cantina da nossa escola. Colocamos também azeite de mamona na parte inferior da horta. Com o tempo, o problema se resolveu e conseguimos recuperar as plantas”, celebra a aluna.
Os estudantes não só repetiram a experiência com a horta de 1m² no próprio CEM Paulo Freire, como a levaram para outros lugares, como o Centro de Ensino Fundamental (CEF) 410 e até a residência de uma estudante.
— Era uma jovem do Ceará que veio para Brasília morar com uma tia e sentia muita falta de mexer com a terra. Ela botou várias camadas de papelão, pedra, areia, terra, os adubos: fez tudo dentro do apartamento. Deu certo, provando que realmente, em um pequeno espaço, se pode produzir, sintetiza a professora Leila.
A união faz a força (e combate incêndios!)

Fig 5. Estuantes criaram protótipo de aplicativo para combate a incêndio ambiental. Crédito: Acervo pessoal
Você está passando por uma rodovia ou outro local e… Vê um incêndio na mata! Não tem sinal para chamar ajuda, nem sabe com qual órgão entrar em contato. O que fazer? Estudantes de ensino médio do CED 01 do Guará desenharam uma solução: um aplicativo que recebe denúncias de incêndios e torna essa informação disponível para as instituições responsáveis.
Com a ferramenta, você pode fazer fotos com o celular e enviá-las pelo aplicativo. Mesmo que não haja internet no local, ele armazena dados de localização, data e horário. Assim, quando houver internet, fotos e dados serão encaminhados automaticamente. O aplicativo, chamado Biomas Protec, tem diferentes funcionalidades e ganhou o 1º lugar da categoria no 13º Circuito de Ciências.
“Sempre gostei de tecnologia e de assuntos ligados à natureza. Quando surgiu o tema da feira de ciências, pensei que seria legal juntar essas duas coisas. O Biomas Protect fazia justamente isso: usava tecnologia para ajudar o meio ambiente”, afirma Jhony Bueno, um dos estudantes que participaram do trabalho. “O Biomas Protect me mostrou que a tecnologia pode ser uma ferramenta de transformação, se usada com um bom propósito”, completa.
No aplicativo proposto durante o projeto de ciências, a ideia é que o cidadão faça um breve cadastro e possa enviar sua denúncia, bem como receber alertas sobre incêndios e orientações.
— Recentemente, tivemos incêndios gravíssimos, inclusive de outras regiões, que estavam afetando até aqui o Centro-Oeste. Havia cortinas de fumaça e as pessoas estavam com muitas dúvidas. Esse cenário era propício para o surgimento e implementação de uma ferramenta como o Biomas Protec, diz a professora Juliana Carvalho, orientadora do trabalho.
O aplicativo pode permitir reunir esforços para apagar o fogo, fazer resgate da fauna e preservar os biomas. Por meio da ferramenta, as instituições — municipais, estaduais ou federais — poderão ter acesso aos dados, filtrá-los e produzir análises. Tudo isso pode ajudar a melhor integrar e direcionar estratégias de controle e prevenção dos incêndios, incluindo o engajamento da população. Instituições de pesquisa poderão ainda trabalhar com esses dados para fomentar a produção e disseminação de conhecimentos científicos.
De acordo com a professora Juliana, a principal inovação do Biomas Protect, em relação a outras iniciativas de combate a incêndios ambientais, é sua maior agilidade e celeridade nas denúncias. Também possibilita que os registros sejam mapeados e não apenas tratados de forma fragmentada. As informações fornecidas podem permitir criar um banco de dados robusto interligando sociedade, governo e cientistas, ou seja, mais do que um aplicativo, o Biomas Protect pode ser um centro integrador.
Os estudantes não chegaram a desenvolver totalmente o código do aplicativo, mas planejaram detalhadamente como a ferramenta funcionaria de uma forma factível. “Eles desenvolveram um design com a estrutura de usabilidade do aplicativo”, explica Juliana.
A equipe pensou até em como o Biomas Protect seria divulgado para incentivar a população a baixar o aplicativo. Foram previstas divulgações junto a instituições governamentais e educacionais, além de veículos de mídia. “Durante uma das apresentações do projeto, tivemos um debate com uma avaliadora que fez uma sugestão interessante: pontuações associadas ao uso do aplicativo que gerassem benefícios para incentivar o usuário”, comenta a professora.
As apresentações foram momentos marcantes do desenvolvimento do projeto de ciências. “O mais divertido foi ver a ideia ganhando vida. No começo, era só uma ideia na cabeça e, de repente, a gente estava criando o protótipo, montando o banner, preparando a apresentação”, lembra o estudante Jhony. E ele acrescenta:
— Mas o que mais me marcou foi ver que pequenas atitudes podem fazer uma grande diferença. Aprendi que dá para usar o que a gente sabe para ajudar o mundo de verdade. Foi uma experiência que me fez crescer muito e me mostrou que, quando a gente acredita em uma ideia e se dedica, dá para chegar muito longe, resume o jovem. Atualmente, ele está cursando gestão da tecnologia da informação e trabalhando em novos projetos na área.

Fig 6. Estudantes apresentaram no 13° Circuito de Ciências das Escolas Públicas do Distrito Federal o aplicativo que criaram em sala de aula. Crédito: Acervo pessoal
Saiba mais:
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Por Fernanda Marques, do Núcleo de Educação e Humanidades em Saúde (Jacarandá) da Escola de Governo Fiocruz – Brasília
Data Publicação: 28/11/2025
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