Por: Diego Vaz Bevilaqua e Carolina Cronemberger

Ilustração: Rodrigo Carvalho

Ilustração: Rodrigo Carvalho

 

“Sim, me leva para sempre Beatriz,

Me ensina a não andar com os pés no chão

Para sempre é sempre por um triz.”

 

Alberto não olhava mais para o relógio. Tinha esperança que com isso o tempo iria parar de andar. Corria para o Circo, pois estava atrasado para seu primeiro ensaio com o mestre Galileu. Além disso, chovia muito, estava ensopado e isso fazia o jovem aprendiz correr ainda mais rápido (Alberto lembrou-se que seu pai lhe explicou – na chuva, é melhor correr ou ir devagar? – infelizmente, justo nesse momento, esqueceu a resposta…).

Aliás, eram essas perguntas, junto com seu desejo de virar palhaço, que levaram o garoto naquele dia ao circo. Galileu não era apenas o maior palhaço daquela região, mas também era um cientista – um físico! – e Alberto também sonhava em ser as duas coisas.

De tanto correr chegou finalmente à lona do circo. Entrou correndo, enxugando a cabeça e já estava no meio do picadeiro quando olhou para frente. E gritou de espanto com o que viu! Um anjo caía do céu, dentro do circo! Logo agora que ele tinha chegado lá…

Seu primeiro espanto virou um segundo espanto quando notou que o anjo não caía, mas flutuava. Esfregou os olhos antes de olhar de novo, mas ouviu uma voz:

– Assustei você?

– Desculpe. Mas quando olhei de repente você parecia cair e me assustei –respondeu Alberto enquanto observava melhor. Não era um anjo. Era, na verdade, uma menina, não muito mais velha que ele, pendurada em um trapézio com os cabelos levemente desgrenhados caindo sobre a sua face. Disse a ela:

– Meu nome é Alberto. Vim aqui encontrar o grande Mestre Galileu.

– Ahh, então é você? Ele estava há pouco tempo atrás perguntando se você já tinha aparecido. Pediu para lhe avisar que vai se atrasar – como sempre – para você esperar por ele aqui no picadeiro – disse a menina, naturalmente, como se não estivesse pendurado em um trapézio a uma altura de mais de três vezes a sua. – Aliás, meu nome é Beatriz. Sou trapezista do circo e estava ensaiando meu número.

– Prazer – respondeu Alberto, ainda confuso com tudo que tinha acontecido. – Como você fez para flutuar daquela maneira quando entrei? Parecia a Lua flutuando livre pelo céu!

– A Lua livre? Por que você acha que a Lua flutua livre pelo céu?

– Vou te fazer um pergunta: se eu amarrar uma pedra na ponta de uma corda e girar a corda, o que acontece? – perguntou Beatriz, enquanto sentava sobre o trapézio, cruzando uma perna por cima da outra, enquanto encostava as costas na corda.

– A pedra gira, óbvio né?

– Ela tá livre?

– Lógico que não! Ela gira porque tô puxando ela pela corda – respondeu Alberto, meio com receio. A pergunta parecia tão simples que ficou com medo de errar a resposta e parecer burro para aquela menina tão bonita.

– Com a Lua é a mesma coisa – disse triunfante Beatriz. – Ela não está livre, está girando em torno da Terra. E a Terra puxa a Lua assim como você puxa a pedra!

– A Terra puxa a Lua com uma corda? – ele quis saber.

– Não literalmente! A Terra puxa a Lua através da força gravitacional – a gravidade –, que existe entre elas. Essa força faz o papel da cordinha, entende? Não só a Lua, a Terra puxa todos os corpos que estão próximos a ela. Aliás, não só a Terra, como tudo que existe, atrai outras coisas.

– Vai me dizer agora que, por exemplo, a gente puxa a Terra? Isso é impossível!… – disse Alberto, meio desconfiado, como se aquilo fosse um pegadinha.

Foto: Nasa

Foto: Nasa

– Parece estranho, né? – sorriu Beatriz. – Mas é que quanto mais pesado, mais a gente percebe esse puxão. Como a Terra é enorme, sentimos ela nos puxar mais do que nós a ela. Por isso a Lua, que também é mais leve, fica presa a Terra!

– Mas a Lua parece bem grande…

– Ela também faz das suas. Quando a Lua se aproxima ou se afasta da Terra, embora ela não desvie a Terra de seu caminho, ela causa mudanças no mar.

– No mar? Como assim?

– As marés! – disse Beatriz, empolgada. – O nível da água sobe e desce no mar por causa da Lua. É o que chamam de maré. A água sente a força da Lua! Ah, e tem o Sol também … que faz a mesma coisa com a Terra…, mas melhor falar disso outra hora!

– Que coisa misteriosa… – falou Alberto, enquanto pensava. – Como essa menina sabe tanto?

– Não é nada misterioso. Quando você pula, você não sente que é puxado de volta pro chão? – perguntou Beatriz, enquanto Alberto concordava com a cabeça. – É a mesma coisa. A mesma força que te puxa de volta ao chão é que puxa a Lua em direção à Terra e mantém ela rodando em volta da Terra.

– Mas como você faz para flutuar? Você consegue se livrar da gravidade?

– Lógico que não! – disse Beatriz sorrindo. – Ninguém consegue. E eu também não flutuo, apenas parece que flutuo.

Dentro de sua cabeça, Alberto pensou: – A mim conseguiu enganar direitinho… Beatriz continuou: – Na verdade eu uso a atração da Terra para me equilibrar, girar e dar a sensação de estar flutuando.

– Como assim? Você se importa de me explicar?

– Não, lógico que não! Cada pequena parte do meu corpo é puxada em direção à Terra. Quanto maior a massa de cada parte do meu corpo, mais forte ela é puxada. Por exemplo, minha cabeça é puxada mais forte que minhas mãos. No dia-a-dia, a gente tá tão acostumado a se equilibrar em pé que nem repara que estamos nos equilibrando. Mas a gente tá se equilibrando o tempo todo. O que faço no trapézio é apenas me equilibrar sobre partes diferentes do meu corpo, de uma forma esquisita. Assim parece que flutuo, mas sempre estou mantendo o equilíbrio em torno de alguma parte. Tá vendo agora, enquanto falo com você estou me equilibrando em torno das minhas coxas. Mas posso me equilibrar em torno de minha barriga também – enquanto falava, Beatriz mexeu-se no trapézio até ficar totalmente horizontal apenas com a barriga apoiada sobre o trapézio. De repente ela deu uma rápida rodopiada, que acabou assustando Alberto novamente.

– Desculpa, te assustei de novo, né? – perguntou Beatriz

– Acho que com o tempo vou acabar me acostumando. Como você roda rápido!

– Isso que queria te mostrar também. Rodei rápido, pois estava encolhida em torno do trapézio. Está vendo que, quando estico as pernas, rodopio bem mais devagar-. Enquanto falava, Beatriz rodopiava com as mãos fixas no trapézio. Conforme ela esticava e encolhia as pernas, seu giro alternava entre mais devagar e mais rápido. – Quanto mais próximo o peso do meu corpo estiver do ponto em torno do qual eu rodo, mais rápido vou!

Alberto ficou muito entusiasmado. Adorava aprender coisas novas e tudo aquilo que aquela linda trapezista lhe contava agora era novo e excitante. Tinha vontade de subir no trapézio e fazer igual a ela.

– Você me ensina esses truques no trapézio? – perguntou ele a Beatriz.

– Ensino, lógico. Mas você precisa ter paciência, porque saber o porquê das coisas normalmente não faz você saber fazer as coisas! Primeiro você vai ter que aprender o simples, para depois ir sofisticando. E treinar, e levar muito tombo. E sempre preste atenção no que o Galileu fala. Ele é meio sem paciência e rabugento, mas eu aprendo muito com ele

– Beatrizzzz!!!!!!

Alberto ouviu um berro vindo de trás do picadeiro.

– É ele! Deve estar atrás de você. Vá lá encontrar com ele. É só seguir a voz. Não tem como errar. Até mais tarde.

– Até mais tarde – disse Alberto, indo com pressa atrás daquela voz que agora gritava algumas coisas incompreensíveis. Ia apressado, mas como pena de deixar Beatriz ali. Não sabia ainda como seria seu encontro com Galileu, mas uma coisa era certa. A visita já havia valido a pena.

Data Publicação: 29/11/2021