Não é novidade que microrganismos podem causar doenças. A ideia de que bactérias, protozoários e fungos podem invadir e prejudicar nosso corpo não soa estranha, afinal, são seres vivos. Até mesmo vírus, situados no limite entre o vivo e o não vivo, são reconhecidos por causarem gripes, aids, dentre outras doenças.

Mas será que algo sem vida, ainda menor e mais simples que um vírus, pode ser perigoso para nós? Uma simples molécula, por exemplo, pode entrar no nosso corpo e provocar doenças?

Os príons mostram que sim, moléculas podem ser infecciosas.

Proteínas anormais

Proteínas são moléculas essenciais à vida, produzidas apenas por seres vivos. Toda proteína é formada por uma sequência de moléculas menores, os aminoácidos (como uma corrente é formada por elos unidos entre si). Esta sequência é “dobrada” em um formato característico para cada tipo de proteína.

Príons são proteínas anormais, “dobradas” de modo incorreto. A composição e a sequência de aminoácidos de um príon são idênticas à de uma proteína normal. Entretanto, seu formato tridimensional é diferente. O termo príon, criado por Stanley B. Prusiner, descobridor destas moléculas, significa proteinaceous infection particle.

Representação de um príon (esquerda) e a proteína normal que deu origem a ele (direita). Cores-fantasia. Fonte: https://www.flickr.com/photos/ajc1/464066753

Representação de um príon (esquerda) e a proteína normal que deu origem a ele (direita). Cores-fantasia. Fonte: https://www.flickr.com/photos/ajc1/464066753

Como príons causam doenças?

O formato de uma proteína determina sua função. Por terem formato anormal, os príons não desempenham as funções de proteínas comuns. Em vez disso, tendem a se agregar formando fibras em forma de hélice, chamadas fibras amiloides. Estas fibras se acumulam nas células, afetando seu funcionamento ou levando-as à morte.

O mais impressionante, porém, é que as fibras amiloides crescem espontaneamente à medida em que entram em contato com proteínas normais da célula. Em outras palavras, um príon não pode replicar a si mesmo, como faz uma bactéria, mas pode alterar a forma correta de uma proteína normal, convertendo-a em um príon também. Se uma fibra amiloide se rompe, cada fragmento continua crescendo. Assim, príons se propagam de uma célula a outra.

A propagação também acontece de um organismo a outro através da ingestão dos príons. Esta forma de transmissão pode levar os príons para espécies diferentes, incluindo seres humanos.

Foi o que aconteceu na década de 1990, quando manchetes de jornais do mundo todo voltaram sua atenção para uma estranha doença que afetava o sistema nervoso de bovinos. Popularmente apelidada de doença-da-vaca-louca, constatou-se que causada por um príon que poderia ser transmitido pelo consumo de carnes e outros produtos de animais contaminados. Em seres humanos, esse príon é causador de uma doença extremamente grave, conhecida como vCJD (variante da doença de Creutzfeldt-Jacob). Leia mais sobre este assunto em Doença de vaca-louca pega em humanos?

Até agora, o estudo dos príons esteve ligado ao seu potencial de causar doenças. Entretanto, algumas pesquisas indicam que, em certos casos, eles podem ser benéficos às células. Uma ideia ainda em discussão é de que alguns príons poderiam até mesmo participar do processo de consolidação de memórias em organismos complexos, como o corpo humano.

Data Publicação: 29/11/2021