Por: Elisa Batalha

Ilustração: Barbara Mello

Ilustração: Barbara Mello

Uma pitadinha a mais de pimenta na comida e, ufa, lá vem aquela ardência na boca! Você pode preferir uma comida mais temperada ou mais suave, mas sabe por que a pimenta arde? As pimentas do tipo chilli, como a pimenta malagueta, são frutos de diversas espécies de plantas do gênero Capsicum. A maior parte das pimentas arde porque contém uma substância chamada capsaicina, que fica acumulada na placenta do fruto e nas sementes. Essa substância tem a capacidade de ativar as células do sistema nervoso que percebem sensações de “perigo” para o organismo, como picadas, pancadas e fogo.

É como se a capsaicina da pimenta fosse um plugue e o neurônio que percebe a dor tivesse uma tomada certinha para ela, o receptor. Essas células do sistema nervoso são chamadas neurônios sensoriais. Aqueles que são especializados em detectar coisas que doem são os nociceptores (existem os que detectam toque, temperaturas diferentes…). Quando a capsaicina interage com esse receptor, toda a célula se modifica de forma a enviar essa informação ao nosso cérebro, o que faz com que sintamos arder.

O nome é complicado, mas as sensações são conhecidas de todo mundo. Quando levamos uma pisada no dedão ou esbarramos o braço na panela quente (ai!), isso ativa esses neurônios da dor, que estão espalhados pela pele e por vários órgãos, entre eles a língua. No caso da pimenta, a capsaicina ativa a pontinha desses neurônios na língua, e eles levam até o cérebro a sensação de ardência.

Pimenta habanero. Foto: AKA/Wikipedia

Pimenta habanero. Foto: AKA/Wikipedia

Dizemos que a comida muito apimentada parece “queimar a língua”. A associação entre calor e o que sentimos ao comer pimenta não é à toa. Isso porque o mesmo receptor da capsaicina pode ser ativado por temperaturas superiores a 43 graus Celsius. Uma vez ativado, o neurônio nociceptor também se modificará da mesma maneira e enviará ao cérebro a informação de que tem “algo errado”. Essa informação nos dá a sensação de quentura, da mesma forma que a capsaicina faz. É um tipo de aviso de perigo para o organismo.

Claro que, ao comer uma comida apimentada, também sentimos sabores e texturas que tornam a sensação um pouco diferente no todo. Mas, no que diz respeito à dor, o que sentimos é a mesma coisa. Então, a comida apimentada não se torna mais quente, mas tanto a capsaicina quanto as temperaturas elevadas são detectadas utilizando mecanismos comuns que nos dão sensações parecidas.

Nem todas as espécies de pimentas ardem. O pimentão verde, por exemplo, é o fruto não maduro da espécie Capsicum anuum. Ela não produz capsaicina, por isso não arde. O pimentão vermelho e o amarelo são outros tipos da mesma espécie.

A espécie C. frutescens produz pimentas conhecidas pelos nomes de caiena, tabasco, arbol, aji e pequin, enquanto que a C. chinense produz alguns dos chillis mais picantes como os habaneros.

Uma questão de costume

Ilustração: Barbara Mello

Ilustração: Barbara Mello

As comidas típicas de alguns países, como o México e a Índia, são tradicionalmente carregadas na pimenta. Aqui no Brasil, os baianos são conhecidos por temperar bastante os seus pratos. Quem não está acostumado às vezes estranha. Eles são mesmo mais “resistentes” do que outras pessoas não habituadas à comida picante. A farmacologista Marília Zaluar Guimarães, do Departamento de Farmacologia Básica e Clínica da Universidade Federal do Rio de Janeiro explica que, se alguém usa frequentemente muita pimenta, é comum haver uma perda de sensibilidade.

Os cientistas estão vendo nessa capacidade que a substância da pimenta tem de “anestesiar” os nociceptores uma possibilidade para o tratamento da dor. A farmacologista cita o exemplo de um antigo e famoso tratamento tradicional, o emplastro Sabiá, usado para dores musculares. Ele contém, na verdade, extrato de Capsicum. Quando aplicado sobre a pele, pode causar uma ligeira sensação de calor (se a quantidade fosse maior, poderia causar dor mesmo). Ao longo do tempo, ele bloqueia a sensação de dor porque faz com que os nociceptores daquela região fiquem temporariamente “silenciosos”. “Muitas indústrias farmacêuticas estão tentando desenvolver novos medicamentos que funcionem por esse mecanismo”, explica a pesquisadora.

Data Publicação: 30/11/2021