Fig 1. Sereias são seres da mitologia muito comuns entre povos que dependiam do mar para sobreviver. Crédito: Koryaba/iStock

 

Conheça mais sobre os seres encantados que, ao longo da História, inspiraram ‘A Pequena Sereia’ dos cinemas

Cabeça, tronco e braços de mulher, mas, da cintura para baixo, peixe. Arrisca um palpite? Estamos falando das sereias! Em 1989, elas ganharam destaque com o lançamento do filme de animação ‘A Pequena Sereia’. Em 2023, a princesa Ariel e companhia voltaram às telas, porém, desta vez, com atores e atrizes reais e uma protagonista negra – afinal, a sereia faz arte da cultura de diversos povos. A história que ganhou vida nos cinemas a partir dos estúdios Disney foi inspirada em um conto de fadas escrito em 1836 pelo dinamarquês Hans Christian Andersen. Mas sabia que as sereias já estavam entre nós muito tempo antes?

Seres híbridos, ou seja, metade ser humano e metade pássaro já aparecem em histórias da Grécia Antiga, isto é, entre centenas e milhares de anos antes de Cristo. Com o tempo, principalmente durante a Idade Média (entre os séculos 5 e 15), passaram a ser retratados também como metade ser humano e metade peixe. E se tornaram especialmente populares entre povos que mantinham relação com o mar, simbolizando, em geral, o perigo associado a atividades marítimas. Além de estarem presentes no folclore europeu, seres aquáticos encantados também aparecem em outras culturas, por exemplo, na asiática, africana, latino-americana e também na nossa!

 

Fig 2. Ariel, ‘A Pequena Sereia’ da animação lançada em 1989 pelos estúdios Disney. Crédito: HarshLight/Flickr

 

Sereias: belas e perigosas!

Apesar da grande diversidade de histórias, algumas características se repetem. Em geral, as sereias dos contos ocidentais impressionam por sua beleza física, assim como pela bela voz. O seu canto é capaz de atrair e encantar os homens. Muitas histórias contam como marinheiros foram atraídos e acabaram se afogando.

Crer avistá-las em viagens estava associado a mau agouro, sendo considerado um sinal de possível naufrágio. Quando ofendidas, podiam causar inundações e desastres. Elas já foram também associadas a pecado, vaidade e consideradas “bruxas”, pois em algumas lendas tinham a capacidade de prever o futuro.

Na obra ‘Odisseia’, criada por Homero entre os séculos 8 e 9 antes de Cristo, as sereias têm papel de destaque. O texto conta a história de Odisseu, que, em latim, é chamado de Ulisses. Após ganhar a guerra de Troia, ele inicia a viagem de volta para seu reino em Ítaca.

Durante o retorno, o herói se vê obrigado a atravessar uma ilha habitada por sereias. Para poder ouvir o canto em segurança, ele pede para ser amarrado ao mastro do navio. Os demais tripulantes se protegem tampando as orelhas com cera.

Confira na imagem abaixo o plano bem-sucedido de Odisseu!

 

Fig 3. Odisseu é amarrado ao mastro do navio, enquanto seus companheiros, que estão com cera nas orelhas, seguem remando. O grupo consegue passar são e salvo pelas sereias, seres híbridos metade mulher e metade pássaro ao fundo da imagem. Crédito: Rijksmuseum/Picryl

 

O outro lado das sereias

Mas será que as sereias são só vilãs? Nem sempre! Algumas histórias as destacam como gentis, capazes de fazer o bem. Também podem se apaixonar por seres humanos e até se casar com eles. Ah, isso é familiar…! Afinal, como esquecer o príncipe Eric, o amado da sereia Ariel?  

Mas, nos contos antigos, o casamento ocorria, em geral, quando o homem roubava um objeto da sereia, por exemplo, seu pente ou espelho, e mantinha-o escondido. Dessa forma, a sereia assumia a forma humana e morava com ele. Mas, se encontrasse o objeto escondido, voltava para o mar! 

Diferentes culturas possuem seres sagrados que conectam a terra à água. Alguns estão associados à fertilidade, reprodução e prosperidade, podendo conceder benções e realizar desejos. Às vezes, no entanto, também podem trazer infortúnio. Veja abaixo alguns exemplos.

 

Fig 4 e 5. Mami Wata é uma entidade do folclore africano. Algumas vezes, ela é retrada como humana (à esquerda), outras como sereia (à direita). Crédito: domínio público/Wikipedia e Mexicano101/Wikimedia Commons

 

Fig 6. Njai Blorong é uma entidade mítica da Ilha de Java, na Indonésia, e é retratada como sereia. Crédito: Tropenmuseum/Wikimedia Commons

 

Sereias e mamíferos aquáticos

Existem muitas versões sobre como surgiu o mito das sereias. Mas é possível que, por trás dele, estejam mamíferos aquáticos pertencentes ao grupo Sirenia, nomenclatura que vem de sereia. Neste conjunto, está o peixe-boi. Saiba mais sobre essa história aqui no Invivo!  

Entre os séculos 15 e 16, período em que os europeus fizeram longas viagens marítimas em busca de novas rotas de comércio, muitos tripulantes avistavam esses animais e os confundiam com sereias. 

A confusão possivelmente era causada pela presença da cauda, assim como de mamas, que podiam parecer com seios de mulher. Até possíveis algas nas costas dos animais poderiam sugerir a presença de cabelos. 

 

Fig 7. O peixe-boi-marinho pode medir mais de quatro metros e pesar até 800 quilos. Crédito: Ramos Keith, USFWS/Pixnio

 

Iara, uma sereia do folclore brasileiro… Ou será que não?

Bela, com uma voz encantadora e capaz de enfeitiçar com seu canto. Nas histórias, Iara, que também é conhecida como Mãe d’Água, atraia homens e os levava para o fundo do rio.  

Mas nem sempre Iara foi sereia! Segundo a lenda, a jovem era uma indígena, filha de um pajé e que tinha grandes habilidades como guerreira. Porém, esta aptidão despertava inveja em seus irmãos. Este sentimento levou os jovens a uma decisão extrema: atentar contra sua vida. A guerreira, no entanto, resistiu e acabou matando os irmãos. Revoltado com a morte dos filhos, o pajé lançou Iara no rio. Porém, a jovem acabou sendo salva pelos peixes e se transformou em sereia. Nasceu então a lenda de Iara! 

 

 

A história é a nossa cara, certo? Bem, talvez não… Apesar de a lenda trazer a temática indígena e ser inclusive ambientada na região Norte do Brasil, para o pesquisador Luís da Câmara Cascudo (1898-1986), ela possivelmente foi introduzida pelos portugueses, que já tinham a figura das sereias em seu folclore. O autor defende no livro ‘Geografia dos mitos brasileiros’ que, provavelmente, a lenda de Iara nasceu da fusão do folclore europeu com histórias de diferentes seres míticos dos povos originários. E contou ainda com contribuições da cultura africana.

 

Fontes consultadas:

Wikipedia. Mermaid. https://en.wikipedia.org/wiki/Mermaid. Acesso: 13 jun 2023.

De Araújo, Ana P. Sereias. InfoEscola. https://www.infoescola.com/mitologia-grega/sereias/. Acesso: 13 jun 2023

Britannica. Mermaid. https://www.britannica.com/topic/mermaid. Atualização: 17 mai 2023. Acesso: 13 jun 2023.

Jornal da USP. O mítico encontro de Odisseu com as sereias é tema de vídeo. https://jornal.usp.br/cultura/o-mitico-encontro-de-odisseu-com-as-sereias-e-tema-de-video/. Publicação: 19 ago 2020. Acesso: 13 jun 2023.

Singh, Akanksha. Mermaids: Myth, Kith and Kin. JSTOR DAILY. https://daily.jstor.org/mermaids-myth-kith-and-kin/. Publicação: 24 dez 2022. Acesso: 13 jun 2023.

Silva, Daniel N. Iara. Brasil Escola. https://brasilescola.uol.com.br/folclore/iara.htm. Acesso: 13 jun 2023.

Câmara Cascudo, Luís da. Geografia dos mitos brasileiros. São Paulo: Global, 2012.

 

Por Teresa Santos

Data Publicação: 16/06/2023