
Fig 1. Manifestações populares pelo uso de medicamentos genéricos no tratamento da hepatite C em 2018 no Rio de Janeiro. Atualmente, o Ministério da Saúde já produz um dos dois esquemas terapêuticos mais usados no SUS. Crédito: Tomaz Silva/Agência Brasil
Conheça os avanços dos últimos anos que tornaram a cura da hepatite C uma realidade no Brasil
É provável que você já tenha ouvido falar em hepatite C, uma doença viral que afeta o fígado. Mas você sabia que ela já tem cura? Sim! Não só tem cura, como o tratamento também está disponível de forma gratuita no Sistema Único de Saúde (SUS). Agora, as terapias são mais potentes, com menos efeitos colaterais e estão disponíveis para todas as pessoas infectadas pelo vírus da hepatite C (HCV), independentemente do grau de lesão do fígado. Vamos saber mais sobre o tratamento e por que ele representa uma evolução.
Uma questão de saúde pública
Segundo estimativas da Organização Mundial da Saúde (OMS), globalmente, cerca de 50 milhões de pessoas apresentam infecção crônica pelo vírus HCV. A cada ano, são aproximadamente 1 milhão de novas infecções.
Em geral, a infecção evolui de forma silenciosa. Os seja, a maioria das pessoas com hepatite C (cerca de 80%) não apresentam sintomas. Mas, quando eles ocorrem, os mais comuns são febre, fadiga, enjoo, vômito, diarreia, dor na região abdominal, urina escura, fezes claras, além de pele e olhos amarelados.
Embora silenciosa, a infecção pode aumentar o risco de desenvolvimento de câncer no fígado e cirrose, um quadro que prejudica o funcionamento do órgão.
As hepatites virais representam uma questão de saúde pública. Para tentar melhorar o cenário, a OMS estabeleceu como meta reduzir em 90% as novas infecções por hepatite e em 65% as mortes causadas por essas infecções entre 2016 e 2030. Entre as principais ações para alcançar a meta, estão ampliar a testagem e o tratamento.

Fig 2. Prevalência de casos de hepatite C crônica em 2022 nas regiões que fazem parte da Organização Mundial da Saúde (OMS). Crédito: OMS/Adaptado por Invivo
A evolução do tratamento da hepatite C
Há dez anos, o tratamento da hepatite C era bem diferente do atual. Isso é o que conta o Dr. Hugo Perazzo, médico e pesquisador do Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas (INI/Fiocruz), em entrevista ao Invivo.
A terapia era feita com interferon, uma proteína que atua contra infecções virais. O medicamento era administrado por injeções semanais. O esquema era associado a quatro ou cinco comprimidos diários de ribavirina, um antiviral. Era necessário tratar a doença por 6 a 12 meses, o que não era nada fácil. “O interferon provocava muitos efeitos colaterais, como sensação de gripe, dor muscular e de cabeça, alteração de humor. Já a ribavirina provocava muita anemia”, explica o especialista.
Com todas essas dificuldades, concluir o tratamento era um grande desafio. Mas havia ainda outro problema: a taxa de resposta. O HCV tem vários subtipos (genótipos) e, para alguns deles, o tratamento com interferon mais ribavirina só funcionava em metade dos casos. Isso significa que, para determinados genótipos, 50% das pessoas que tratavam a doença continuavam infectadas pelo vírus após o término da terapia.

Fig 3. Imagem feita em microscópio eletrônico do vírus HCV. Existem seis subtipos (genótipos) conhecidos, porém, no Brasil, a maioria das pessoas infectadas possui genótipo 1 (75%). Os outros dois genótipos encontrados no país são 2 e 3. Crédito: Maria Teresa Catanese, Martina Kopp, Kunihiro Uryu , and Charles Rice derivative work: TimVickers (talk)/domínio público/Wikimedia commons
Entram em cena os antivirais de ação direta!
Felizmente, por volta de 2015, as coisas mudaram para melhor! A evolução veio com o surgimento dos antivirais de ação direta, que são chamados interferon free, pois não possuem interferon em sua formulação.
Entre as vantagens da nova terapia, está o fato de que o tratamento passou a ser totalmente oral, ou seja, chega de injeções! A duração do tratamento também diminuiu consideravelmente, passando para três meses.
Outro aspecto que torna os medicamentos atuais melhores é o fato de terem pouquíssimos efeitos colaterais. Também apresentam uma taxa de sucesso acima de 90 a 95%. “O sucesso é a cura. A hepatite C tem cura. A gente faz o tratamento pensando na cura da hepatite C”, destaca o Dr. Perazzo. E ele complementa:
— Para fazer um pequeno paralelo com a hepatite B, por exemplo, o tratamento é para o controle da doença, assim como para o HIV. A pessoa usa a medicação para controlar o vírus, manter a carga viral (concentração de vírus) indetectável ou muito baixa, que é um controle da doença. Na hepatite C, a gente faz esse tratamento visando a cura. Se eu der o medicamento para 20 pessoas, pelo menos, 18 a 19 vão ficar curadas da hepatite C.
E como sabemos que alcançamos a cura da hepatite C?
A verificação é feita por um exame que avalia a carga viral. A testagem deve ser feita, pelo menos, três meses após o término do tratamento. Se a pessoa apresentar carga viral indetectável, ou seja, tão baixa que não é mais detectável no teste, ela é considerada curada. Isso significa também que a pessoa deixa de ter um risco maior de desenvolver doença hepática.
Mas, mesmo curada da infecção, a pessoa que alcançou a carga viral indetectável ainda apresentará resultado positivo no teste rápido para detecção da hepatite C. Segundo o Dr. Perazzo, o exame procura o anticorpo do vírus. “Ele indica que a pessoa teve contato com o vírus. Então, ele vai ficar para sempre positivo. É uma ‘cicatriz’ no sangue, mostrando que a pessoa, em algum momento da vida, teve contato com a hepatite C”, explica. Ele acrescenta que, após a finalização do tratamento e constatação da cura via carga viral, o ideal é que a pessoa não faça mais o teste rápido.
Mas atenção! Alguém que já tratou e foi curado da hepatite C pode ser reinfectado se for exposto novamente ao HCV. A infecção pode ocorrer por meio do contato com sangue contaminado, durante a gestação ou parto e por relações sexuais sem uso de preservativos. As duas últimas vias de transmissão (mãe para filho e relações sexuais) são menos comuns. No caso de suspeita de reinfecção, é indicado refazer a testagem da carga viral.

Fig 4. Estágios da doença hepática. A fibrose é um processo de cicatrização e endurecimento do tecido hepático causado, em geral, por lesões persistentes. Com o tempo, ela pode progredir para cirrose, condição mais grave. Crédito: liangpv / iStock
Quais medicamentos estão disponíveis no SUS para hepatite C
Hoje em dia, existem basicamente dois tipos de tratamento disponíveis no SUS para pessoas infectadas pelo HCV que ainda não foram tratadas. Ambos utilizam os antivirais de ação direta: (1) um comprimido diário de sofosbuvir mais um comprimido diário de daclatasvir ou (2) um único comprimido diário que possui uma em sua formulação sofosbuvir mais velpatasvir. Em ambos os casos, o tratamento é feito por 12 semanas.
E como sabemos qual esquema é mais indicado? Segundo o Dr. Perazzo, a recomendação é feita com base em um índice chamado APRI. Trata-se de um cálculo matemático, que utiliza parâmetros obtidos no exame de sangue, e avalia o grau de lesão hepática. Quando o paciente não tem lesão hepática avançada, a recomendação do Ministério da Saúde é fazer o primeiro esquema de terapia (sofosbuvir + daclatasvir). Já, quando há lesão avançada no fígado, a orientação é utilizar o segundo esquema (sofosbuvir + velpatasvir).
A incorporação dos antivirais de ação direta no SUS, por si só, já representa um grande avanço. Em países como os Estados Unidos, por exemplo, a terapia não é gratuita. Ao contrário, os pacientes precisam arcar com o alto custo das medicações.
Mais um avanço diz respeito à produção dos medicamentos. Hoje, o Ministério da Saúde já produz os medicamentos sofosbuvir e daclatasvir. Farmanguinhos/Fiocruz foi o primeiro laboratório público no país a produzir medicamentos associados ao sofosbuvir efetivos contra diferentes subtipos de vírus causadores da hepatite. Agora, somente o comprimido único, contendo sofosbuvir mais velpatasvir, ainda precisa ser adquirido da indústria farmacêutica.

Fig 5. Medicamentos para o tratamento da hepatite C produzidos no Brasil. Crédito: Lean Morgado/Farmanguinhos/Fiocruz
Além do pioneirismo, o tratamento no Brasil também evolui consideravelmente. Alguns anos atrás, apenas pessoas com cirrose, ou seja, com lesão avançada do fígado, eram tratadas. O tratamento também dependia da realização prévia da genotipagem do vírus, isto é, uma análise molecular para determinar o subtipo de HCV.
Hoje em dia, todas as pessoas com hepatite C, independentemente do grau de lesão hepática, são tratadas no SUS de forma gratuita. Também não é mais necessário fazer a genotipagem do vírus, o que, muitas vezes, era um motivo de atraso do início da terapia, devido à pouca oferta do teste. Agora, apenas o cálculo APRI já é capaz de determinar o melhor tratamento. Esses avanços permitiram a ampliação do tratamento no país.
Ainda é necessário ampliar a testagem
Para o Dr. Perazzo, o Brasil, de fato, foi pioneiro no avanço do tratamento da hepatite C. No entanto, ainda é necessário fazer mais, principalmente, no campo do diagnóstico.
— Precisamos aumentar a testagem das pessoas porque a prevalência é relativamente pequena na população geral. Ela gira em torno de 0,7 a 1%. Precisamos testar muita gente para poder identificar os casos positivos. E se o resultado for positivo no teste rápido, a pessoa precisa ser encaminhada para fazer a carga viral. Em caso de carga viral detectável, iniciar o tratamento, que é seguro, altamente eficaz e disponível no SUS.

Fig 6. Teste rápido da hepatite C feito com amostra de sangue coletada na ponta do dedo. Crédito: Rodrigo Nunes/MS / Flickr
O teste rápido para detecção da hepatite C está disponível nas Unidades Básicas de Saúde (UBS) e Clínicas da Família de todo o país. Ele é feito através de uma gota de sangue de ponta de dedo, e o resultado sai em torno de 15 a 20 minutos. “Qualquer cidadão poder se fazer o teste. A gente não procura sintomas para pesquisar hepatite C. O ideal é que todo mundo faça o teste, pelo menos, uma vez na vida”, destaca o médico.
Segundo Perazzo, o INI/Fiocruz vem trabalhando para melhorar o cenário. Uma das várias iniciativas é a ampliação da testagem, a partir do autoteste, ou seja, a própria pessoa pode se testar. O instituto também tem uma unidade móvel de saúde que está indo a vários locais da cidade do Rio de Janeiro para realizar testes. E, em caso de resultado positivo, os possíveis pacientes são encaminhados para confirmação da infecção e tratamento.
Caso nunca tenha feito um teste rápido da hepatite C, procure a UBS ou Clínica da Família mais próxima da sua casa! Faça o teste!
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Fontes consultadas:
Brasil, Ministério da Saúde. Hepatite C. Disponível em: https://www.gov.br/saude/pt-br/assuntos/saude-de-a-a-z/h/hepatites-virais/hepatite-c
OMS. Hepatitis C. Disponível em: https://www.who.int/news-room/fact-sheets/detail/hepatitis-c. Publicação em: 09 abr 2024
OMS/OPAS. OMS insta países a investirem na eliminação das hepatites virais. Disponível em: https://www.paho.org/pt/noticias/26-7-2019-oms-insta-paises-investirem-na-eliminacao-das-hepatites-virais#:~:text=por%20hepatite%20C.-,Dia%20Mundial%20de%20Luta%20Contra%20as%20Hepatites%20Virais,mortes%20entre%202016%20e%202030. Publicação em: 26 jul 2019
*Todos os sites foram acessados em 04 de julho de 2025.
Por Teresa Santos
Data Publicação: 18/07/2025
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