Por: Juliana Rocha

Talvez aquele bichinho de estimação que você ou seu amigo abrigam em casa e chamam simplesmente de tartaruga não seja exatamente o que vocês pensam. “Como não?”, deve ser a pergunta em sua cabeça agora. Embora na filogenia – que é o estudo da história evolutiva de um grupo, suas relações de parentesco com espécies ancestrais e descendentes – tartarugas, cágados e jabutis estejam todos reunidos na ordem dos quelônios sob a classe dos répteis, estes animais têm lá suas diferenças.

Répteis? Exatamente: tartarugas, cágados e jabutis são parentes próximos das cobras, dos lagartos e jacarés. Estes animais põem ovos, têm respiração pulmonar, escamas cobrindo a pele e sua temperatura corporal varia conforme as condições do ambiente, assim precisam controlá-la, alternando períodos de exposição ao sol com mergulhos ou descansos à sombra.

Tartarugas

Tartaruga-verde. Ursula e Peter Bennett/NOAA.

Tartaruga-verde. Ursula e Peter Bennett/NOAA.

As primeiras tartarugas surgiram no período Triássico, há 150 milhões de anos, quando a Terra ainda era habitada pelos dinossauros. São animais marinhos e têm nadadeiras, sendo as dianteiras bem mais longas que as traseiras. As tartarugas passam boa parte de suas vidas submersas: apenas vêm à tona periodicamente para respirar e só deixam a água no momento da desova.

Das sete espécies existentes no mundo hoje, cinco frequentam a costa brasileira: a tartaruga-cabeçuda (Caretta caretta), a tartaruga-gigante ou de-couro (Dermochelys coriacea), a tartaruga-de-pente (Eretmochelys imbricata) a tartaruga-verde (Chelonia mydas) e a tartaruga-oliva (Lepidocheas olivacea). Todas as espécies frequentadoras da nossa costa estão na lista de espécies ameaçadas do IBAMA: o que mais as ameaça de extinção é a caça, a coleta de ovos e a captura incidental por redes de pesca.

A dieta varia segundo a espécie. A tartaruga-cabeçuda, por exemplo, tritura, com sua mandíbula grande e forte, mariscos, mexilhões, moluscos e caranguejos. Já a tartaruga-gigante alimenta-se essencialmente de medusas. A cabeça pequena e a boca em forma de bico da tartaruga-de-pente facilitam sua busca por alimento entre os recifes de coral: esponjas, anêmonas, lulas e camarões são seus pratos preferidos. Enquanto jovem, a tartaruga-verde alimenta-se de crustáceos, insetos aquáticos, ervas e algas marinhas, adulta é  exclusivamente herbívora. A dieta da tartaruga-oliva inclui peixes, caranguejos, moluscos, camarões e mexilhões.

Já assistiu ao filme Procurando Nemo? Lembra-se das tartarugas surfando nas correntes marítimas? Todos os anos, as tartarugas empreendem grandes viagens pelos mares e oceanos rumo às praias onde nasceram para se reproduzirem. A capacidade de orientação e migração destes répteis impressiona: estudos sugerem que as tartarugas são capazes de detectar o ângulo e a força do campo magnético da Terra e assim determinar sua posição em mar aberto.

Cágados

Os cágados, também conhecidos como tartarugas de água-doce, dividem seu tempo entre a água e a terra. Suas patas são semelhantes às dos patos, com membranas ligando os dedos, o que lhes permite tanto andar como nadar com alguma desenvoltura. Os cágados não são animais migratórios e preferem habitar áreas pantanosas e rios calmos, com pouca correnteza.

A dieta dos cágados também apresenta variações segundo as espécies. Alimentam-se dentro d’água e, entre seus pratos favoritos, podem estar insetos, crustáceos, moluscos, peixes, folhas, sementes e frutos caídos das árvores.

No Brasil, são encontradas 26 espécies diferentes. Entre elas, estão o muçuã (Kinosternon scorpioides), o tracajá (Podocnemis unifilis) e o matamatá (Chelus fimbriatus).

O muçuã, com seu casco marrom escuro com manchas vermelhas, é um dos menores cágados conhecidos, medindo, no máximo, 27 centímetros. Tem um comportamento agressivo e, quando incomodado, dá mordidas doloridas graças à placa córnea afiada (em quelônios, o equivalente a dentes) em sua boca. Alimenta-se de girinos, insetos e algas. O curioso a respeito da espécie é o seu comportamento de hibernação, ainda não completamente compreendido pelos estudiosos: durante um período do ano, o muçuã se enterra até a cabeça e dorme. Engraçado, não é? O muçuã está ameaçado de extinção e, mesmo tendo sua caça proibida, é servido em restaurantes e hotéis do Maranhão e Pará.

O tracajá é comum nos rios de água escura nas regiões Norte, Centro-Oeste e em parte do Nordeste. As manchas amarelas na cabeça e nas laterais do casco são sua característica mais marcante. Quando adulto, a maior parte de sua dieta é composta por sementes, frutos e raízes. O tracajá chega a medir até 68 centímetros e pesar cerca de 8 quilos. Esse cágado também é muito apreciado na culinária amazônica: encontra-se, contudo, fora de perigo e tem sua criação para fins comerciais autorizada pelo IBAMA.

Matamatá. M. A. Clark/WhooZoo Project

Matamatá. M. A. Clark/WhooZoo Project

Podendo atingir até 40 centímetros de comprimento e 12 quilos, o matamatá tem a aparência de uma folha apodrecida. Esta característica o ajuda tanto a conseguir alimento, como a se proteger, evitando que se transforme em jantar: imóvel dentro dos rios, o matamatá se confunde com as algas e sedimentos passando despercebido a seus predadores e presas. Assim disfarçado, o matamatá abre bastante a boca e dilata a garganta, criando um fluxo de água que suga peixes e invertebrados (animais sem esqueleto) aquáticos. Os biólogos chamam esta habilidade de confundir-se com seres de outras espécies de mimetismo.

Falando em formas de proteção, você já deve ter visto alguma animação mostrando um quelônio amedrontado escondendo a cabeça dentro do casco, não é mesmo? Nem todas as espécies têm essa habilidade. Aqueles que conseguem retrair a cabeça para dentro do casco são chamados de cryptodiros, enquanto os que apenas a escondem debaixo da borda da carapaça são chamados de pleurodiros. Cágados e jabutis têm representantes tanto de cryptodiros como de pleurodiros. Embora sejam consideradas cryptodiros, as tartarugas perderam, em um momento do processo evolutivo, a capacidade de retração da cabeça.

Jabutis

Os jabutis são animais terrestres. Suas patas, rígidas e retas, lembram pequenos troncos. São onívoros: comem frutas, folhas, minhocas, insetos e até ratos. Só duas espécies são encontradas em território nacional: o jabuti-piranga (Geochelone carbonaria) e o jabuti-tinga (Geochelone denticulata).

O jabuti-piranga habita o Nordeste, o Centro-Oeste, o Sudeste e o Sul do país; já o jabuti-tinga só é encontrado na região amazônica. As duas espécies chegam a alcançar, em média, 50 centímetros e 18 quilos. A principal diferença entre o jabuti-piranga e o jabuti-tinga é a coloração das escamas em suas patas: enquanto este tem escamas amarelas, aquele tem escamas vermelhas.

Gigante das Galápagos. Wikipedia.

Gigante das Galápagos. Wikipedia.

A espécie de jabuti mais famosa só é encontrada no Arquipélago de Galápagos, conjunto de 58 ilhas situado no Oceano Pacífico que inspirou Charles Darwin a conceber a Teoria da Evolução das Espécies. O gigante das Galápagos (Geochelone nigra) pode medir até 1,80 metros e pesar mais de 200 quilos. Grande, não é mesmo? Mas não precisa sair correndo caso encontre um! Além de serem animais extremamente lentos, esses jabutis são herbívoros: alimentam-se exclusivamente de frutas, cactos e ervas rasteiras.

Agradecimentos:

Daniela Ramos, bióloga do Museu da Vida

Fontes de informação:

IHERING, Rodolpho Von. Dicionário dos Animais do Brasil. São Paulo: s.n., 1940.

Projeto TAMAR

Fundação Zoológico de São Paulo

Animal Diversity Web – University of Michigan Museum of Zoology

NOAA Fisheries – Office of Protected Resources

WhoZoo Project

Data Publicação: 26/11/2021