
Fig 1. Einstein e Carlos Chagas ao centro. Da esquerda para direita, estão também os cientistas Carlos Burle de Figueiredo, Antônio Eugênio Área-Leão, Nicanor Botafogo Gonçalves da Silva, Adolpho Lutz, Alcides Godoy, Astrogildo Machado Albert Einstein, José da Costa Cruz, José Carneiro Felippe, Leocádio Rodrigues Chaves no Instituto Oswaldo Cruz. Crédito: Acervo Casa de Oswaldo Cruz/Fiocruz
Em entrevista ao Invivo, pesquisador conta como foi a visita de Albert Einstein ao Instituto Oswaldo Cruz em 1925
Você sabia que o físico Albert Einstein (1879-1955), pai da Teoria da Relatividade, já veio ao Brasil? Isso mesmo! O ano era 1925 e o cientista alemão visitou alguns países da América Latina, incluindo o Brasil. Ele visitou várias instituições de pesquisa no Rio de Janeiro, entre elas, o Jardim Botânico, o Museu Nacional, o Observatório Nacional e o Instituto Oswaldo Cruz.
A visita ao Instituto Oswaldo Cruz ocorreu em 8 de maio de 1925. Lá ele foi recebido por Carlos Chagas (1879-1934) e outros cientistas renomados. O momento foi registrado pelo fotógrafo J. Pinto (1884-1951) na varanda do Castelo Mourisco, prédio símbolo da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).
Em entrevista ao Invivo, o pesquisador Ildeu de Castro Moreira, professor do Instituto de Física da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), e autor de livros e artigos sobre o tema, nos conta mais como foi a visita de Einstein ao Brasil.

Fig 2. Albert Einstein físico alemão esteve no Brasil em 1925. Crédito: Domínio Público/ PxHere
Invivo: O que motivou a visita de Einstein ao Brasil?
Ildeu de Castro Moreira: Primeiro, Einstein havia sido convidado para ir à Argentina, que, naquele momento, tinha uma comunidade científica forte, articulada e com instituições de pesquisa. E ele estava no momento de viajar pelo mundo. Ele viajou para o Japão e, anteriormente, para a Palestina.
O cientista também estava sob forte pressão política interna na Alemanha. Além disso, viagens eram uma oportunidade para ele divulgar a Teoria da relatividade, que havia sido proposta anos antes.
Invivo: Como foi a visita de Einstein ao país?
Ildeu de Castro Moreira: Einstein foi à Argentina e passou pelo Brasil rapidamente no dia 21 de março de 1925. Nessa primeira visita, conheceu o Jardim Botânico (RJ) e ficou fascinado com a natureza. Depois, deu um passeio pelo centro da cidade do Rio de Janeiro, mas retornou rapidamente à Argentina, passou pelo Uruguai e chegou ao Brasil de novo no início de maio.
Nessa segunda visita ao Brasil, ele ficou quase uma semana no país. Einstein foi a várias instituições de pesquisa e ministrou palestras na cidade do Rio de Janeiro, incluindo duas conferências sobre a Teoria da Relatividade no Clube de Engenharia e outra na Escola Politécnica da Universidade do Brasil, que atualmente é a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Também visitou o Museu Nacional/UFRJ, o Hospital Nacional de Alienados, entre outros locais. E, em maio de 1925, foi ao Instituto Oswaldo Cruz, onde conheceu vários cientistas, visitou laboratórios e museus. Ele visitou também o Presidente da República (Artur Bernardes).

Fig 3. Einstein em visita ao Museu Nacional em 7 de maio de 1925. Crédito: Wikimedia Commons
Invivo: E como foi a visita de Einstein ao Instituto Oswaldo Cruz?
Ildeu de Castro Moreira: No Instituto Oswaldo Cruz, ele conheceu vários cientistas e visitou laboratórios e museus. Ele relatou nos seus diários assim: “Pela manhã, visitei o Instituto de Biologia”, ele chamou de Biologia, mas visitou a seção de anatomia patológica, conheceu insetos transmissores de doença, viu Trypanosoma cruzi [protozoário transmissor da Doença de Chagas] ao microscópio. E também visitou a biblioteca [inclusive autografando um exemplar da revista ‘Annalen der Physik’ – Anais da Física, em português -, que possuía seu artigo sobre a Teoria da Relatividade].
Ele gravou ainda um disco fonográfico, um cilindro com sua voz, falando alguma frase sobre o Instituto Oswaldo Cruz. Pode ser que ele ainda exista, mas não foi localizado ainda.

Fig 4. Imagem do exemplar da revista assinado por Einstein no Instituto Oswaldo Cruz. Crédito: Marcel Kamiya
Invivo: Qual foi a importância dessa visita? Como ela impactou a ciência brasileira?
Ildeu de Castro Moreira: Em primeiro lugar, acho que a visita tem uma repercussão mais subjetiva porque não havia grupos de pesquisa no Brasil naquele momento. Apenas uma década depois, que começaram a surgir os primeiros cursos de formação de pesquisadores, por exemplo, de biólogos, físicos, matemáticos. Antes disso, os acadêmicos eram fundamentalmente formados em medicina, engenharia, direito. Foram, portanto, eles que recepcionaram o Einstein no Brasil, principalmente, engenheiros, médicos. O Instituto Oswaldo Cruz fazia pesquisa, mas praticamente todos os pesquisadores tinham formação em medicina.
A presença do Einstein foi importante porque trouxe uma repercussão grande na imprensa, afinal era um dos cientistas mais conhecidos do mundo. Além disso, deu destaque para as instituições de pesquisa do Rio de Janeiro, que apareceram nos jornais durante toda semana. Cada visita foi bastante noticiada e valorizava o que eles chamavam na época de ciência pura, ou seja, demonstra a importância da ciência propriamente dita e não apenas do seu uso ou da aplicação.
O segundo ponto a destacar é que a Academia Brasileira de Ciências e os jornais iniciaram um debate sobre a Teoria da Relatividade. Houve, por exemplo, críticas de alguns setores ligados à engenharia, positivistas, de alguns militares que contestavam a Teoria da Relatividade. O debate durou alguns meses.
Por outro lado, jovens que criaram a Academia Brasileira de Ciências, por exemplo, Álvaro Alberto, Alberto Marinho de Azevedo, Inácio do Amaral, defendiam fortemente a Teoria de Einstein nesses debates. Então, foi um momento de afirmação de uma ciência nova.
Acho que são esses dois fatores que foram mais relevantes nessa viagem dele. Já existiam pessoas contrárias à Teoria da Relatividade antes da visita, porém a visita deslanchou ainda mais as críticas. Mas toda a teoria científica que surge sofre contestações, isso é natural. E isso ocorre tanto por parte da própria comunidade científica, que quer saber por que que essa teoria nova tem que ser aceita, quanto por parte da sociedade como um todo. Isso ocorre porque estamos muito baseados nas ideias anteriores.

Fig 5. Jornal noticiando a visita de Einstein ao Rio de Janeiro. Crédito: Acervo Casa de Oswaldo Cruz/Fiocruz
Invivo: Einstein fez alguns relatos considerando a viagem ao Brasil positiva, certo?
Ildeu de Castro Moreira: Sim, no geral, sim. Ele estava meio cansado e não gostava muito de cerimônias, reclamava bastante dos discursos longos, ele ia direto ao ponto. Ele teve também uma semana intensa no Rio de Janeiro. Mas ele gostou, ele passou pela Gávea, São Conrado, Alto da Boa Vista, Corcovado, Pão de Açúcar e vários lugares.
Mas ele também fez algumas observações de um europeu, obviamente, em relação ao Brasil. Aqui, ele não encontrou um avanço grande científico. Então, ele dialogava muito pouco, conversou muito com o Silva Melo, com o Juliano Moreira, que era vice-presidente da Academia Brasileira de Ciências, e com outros personagens, mas a interação foi um pouco social, mais genérica. Talvez o Instituto Oswaldo Cruz tenha sido o lugar que ele visitou mais laboratórios.
Invivo: Mas existem ainda alguns registros de seu diário que têm sido avaliados de forma negativa e até mesmo racista. Na sua opinião, como isso deve ser interpretado?
Ildeu de Castro Moreira: Essas frases, às vezes, são tiradas do diário dele, que é um diário muito pessoal, e onde fazia anotações telegráficas. Às vezes, o conteúdo é interpretado com os olhos de hoje e temos que tomar cuidado com isso. Alguns jornais fizeram, inclusive, recentemente um movimento dizendo que o Einstein era racista. E eu acho que isso é uma dedução incorreta.
O Einstein foi talvez o cientista nos Estados Unidos que mais brigou contra o racismo. Ele foi muito atuante, o que não se divulgava na época. Ele era perseguido pelo FBI, uma série de coisas.
Mas ele foi muito forte. Ele foi um dos poucos cientistas que recusou dar algumas palestras em Harvard, mas foi dar aula na Lincoln University, que era a única universidade que tinha negros. Existem fotos dele com os estudantes negros. Ele recebeu vários negros na casa dele, acolheu, fez campanha política. Era muito atuante e falava que o racismo era a pior doença dos Estados Unidos.
Mas, quando ele está no Brasil, naquele momento, ele tem um olhar eurocêntrico, obviamente com os preconceitos de europeu. Então, ele faz comentários ironizando o fato das pessoas falarem muito. Ele usa o termo ‘macaco’, mas esse termo ganhou essa conotação racista posteriormente. O macaco era associado à região tropical e, por isso, usado para pessoas que habitavam essa área. Acho que essas interpretações [racistas] forçam a barra.
Mas é claro que ele tinha preconceitos. Por exemplo, o que ele tinha, e não era só ele, era a ideia de que o clima [tropical] tornava as pessoas mais lenientes, mais frágeis, mais difíceis de desenvolver ciência. Mas isso era uma visão comum nos meios acadêmicos e científicos.
Invivo: Einstein era judeu e também sofreu perseguição do nazismo quando ele ascendeu posteriormente, certo?
Ildeu de Castro Moreira: Sim, naquele momento [na época da viagem ao Brasil em 1925], ele estava batendo de frente com o pensamento conservador da Alemanha e, depois, teve que fugir para os Estados Unidos para não morrer.
Então, ele batalhou muito contra o nazismo. Ele era um cientista muito atuante politicamente.
Por Teresa Santos
Data Publicação: 08/05/2025