DOSSIÊ Miloca – 1910/1911 – Expedições científicas de Manguinhos.
Hotel – Restaurant
GRANDE CAFÉ DA PAZ
ADOLPHO MELIBEU
Proprietário
PARA – BRAZIL

Pará, 28 de Junho de 1910
Minha querida Miloquinha

Já hoje te enviei uma carta que te fazia meus cumprimentos pela grande festa de hoje.

Ainda para assignalar este grande dia resolvi hoje aqui uma questão que nos vai tornar a vida mais suave. O Governador do Pará me pediu para assumir a direcção da Campanha contra a febre amarella aqui, o que aceitei. De volta de Madeira irei até a “flôr da minha gente” e de novo voltarei até aqui onde passarei uns 15 dias para por o serviço em andamento, sob a direcção de pessôa de minha confiança. Voltarei ainda no decurso do anno umas duas ou tres vezes. Ainda não sei das condições que me serão offerecidas. O Governador com grande acanhamento mandou me perguntar quanto eu desejava. Mandei-lhe dizer que deixava ao alvitre delle a resolver. Mas, a julgar pelo enthusiasmo em que está o homem as nossas vantagens parecem serão bem grandes. Para mim a cousa será muito suave e conto obter resultados seguros prestando assim um colossal serviço ao paiz. Segundo me informaram só no mez passado morreram duzentas e tantas pessôas de febre amarella.

Tenho sido muito bem recebido aqui. Estou installado no Hotel em dependencia com quatro aposentos pertencentes aos donos do Hotel, sendo todas as despezas pagas pello Governo; tenho 2 creados para me servir, carro particular, automovel á porta e uma lancha sempre a disposição Tenho estado prezo aqui mais tempo do que desejava porque houve uma greve á bordo do navio do Lloyd (Acre) que me terá de levar a Manáos, donde partirei em navio especial para o Madeira. Espero porem partir amanhã (29) á tarde. Hoje o Governador me veiu visitar. E agora á noite fui visitado pela filha da dona do hotel, ume exímia pianista, formada no Conservatorio de Leipzig e que veiu tocar piano para eu ouvir. É uma verdadeira artista. Não imaginas a romaria de visitas que tenho recebido o que me tem elevado ao auge a sentir irritação de nervos. Sobretudo agora que desconfiam que vou tornar a direcção da Campanha contra a febre amarella o chaleirismo está incomensuravel. Assim permitta Deus que sejamos bem succedidos.

Adeus minha querida amiga. Que o Bom Deus te conceda toda serie e modalidades da felicidade de que és tão merecedora. São estes votos que no meio dos mais carinhosos beijos d’aqui te envio.

Muitos carinhos saudades e lembranças a nossos queridos filhinhos e muitas saudades a todos os nossos. Diz a Lizoca que mandei buscar para ella um livro allemão, que me mostrou a pianista de q acima te falei e onde vem os retratos e biographias de todos os gdes musicos conhecidos.

Adeus minha querida, mais beijos e votos de felicidades

do teu saudosissimo
Oswaldo

Muitas lembranças à Mamãi.
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Santarém, 2 de Julho de 1910
Minha querida Miloquinha

Foi necessário que o Governador do Pará, para me ser agradável, manda-me prender os foguistas revoltados do paquete “Acre” e os fizesse substituir por outros da armada para que nós pudessemos sahir a 29 a tarde de Belem. No Pará o calor era abrazador, aqui no rio Amazonas, porém a tempestade caiu e tem mesmo feito um pouco de frio. Estou installado num explendido camarote de luxo offerecido pela Companhia ingleza “Port of Pará”.

Como te dizia em minha ultima carta o Governador me pediu para fazer a Campanha contra a f. a. no Pará o que accedi, impondo as condições, sobretudo relativas ao pessoal e a não interferencia da política. Depois da conferencia que tivemos elle não mais me falou no assumpto e julgo q. ficou desanimado com as condições que impuz. Aguarde a volta para ver o que ha de resolvido. Nossa viagem vai agora muito atrazada porque o navio está andando pouco por falta de practica dos nossos foguistas. Não imaginas que pessimos companheiros de viagem temos: seringueiros e aventureiros de toda a especie sem a minima educação e uma leva de mulatos cearenses de vida airada e que levam fazendo uma formidavel algazara á bordo. – Deixei hoje cair meu relogio ao chão e quebrei-o de modo que vou fazer a viagem sem relogio não havendo tempo de fazel-o concertar em Manáos.

Aqui á bordo graças a solicitude de Belizario continúo a seguir cuidadosamente o regime alimentar e tenho passado admiravelmente.

Esperamos chagar a Manáos no dia 5 seguindo immediatamente pa o Madeira onde devemos chegar a 14 de Julho mais ou menos. – Tenho tomado muitas observações a bordo e perguntado muito.

Adeus minha querida e bôa amiga, muitas carícias e saudades a nossos filhinhos: lembranças a todos os nossos e muitissímos saudosos beijos e carinhos de teu cada vez ms saudoso

Oswaldo
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Porto Velho de Santo Antonio
11 de Julho de 1910
Minha querida Miloquinha

Chegamos aqui hontem á tarde após explendida e rapida viagem tendo gostado apenas 5 dias de Manáos até aqui o que constitue excepção sobretudo nesta época em que o rio está descendo e não póde viajar á noite.

Fui muito bem recebido em Manáos onde o Governador foi me buscar á bordo, tendo sido eu hospedado na casa d’um dos empreiteiros do Cia o Snr May um activo emericano, moreno com cara de brasileiro.

Não imaginas como essa gente me tem tratado: como um verdadeiro principe. Puzeram a minha disposição um navio da Cia e ás minhas ordens puzeram o Mordomo da Companhia, que depois de indagar ao Belizario da minha dieta etc. poz um cozinheiro pra meu regime e durante toda a viagem, nessas paragens onde não ha recursos fui alimentado a vegetaes, ovos, gallinhas, doces, aguas mineráes, enfim tudo quanto podia desejar.

O navio trouxe um carregamento desses alimentos para aqui afim de que me não falte cousa alguma. Installámo-nos na casa do medico em chefe que abandonou seus commodos e tudo nos entregou. Temos criados chineses. Enfim todo o conforto possivel numa grande cidade tenho aqui nessas inhospitas passagens. São verdadeiramente inhospitas! O impaludismo reina aqui de maneira assombrosa. Visitamos hontem a cidade de Sto Antonio. Não podes imaginar o que seja. Qualquer descripção por mais pessimista ficaria aquem da realidade. Basta que te diga que na cidade não ha um só habitante filho do lugar. Todas as crianças que ali nascem morrem infallivelmente e as poucas ahi nascidas estão de tal modo doentes que fatalmente morrerão breve. A immundicie é incrível. Para dar um ideia pallida do que é ella basta que te diga que matam os bois nas ruas e ahi abandonam as visceras cabeça etc. que deixam apodrecer em plena rua, e o máo cheiro é de tal ordem que quase se fica suffocado. Estou horrorizado com tanta porcaria!

Adeus minha querida muitos carinhos a nossos filhinhos, saudades a todos e muitos beijos e saudades de teu saudosissimo

Oswaldo.

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Porto Velho, 13 de julho de 1910
Minha querida Miloquinha

Apresenta-se-me hoje a opportunidade de te mandar algumas noticias. De saúde vou admiravelmente fazendo uso diario de quinina. Fiz hontem o percurso de toda a linha até a extremidade dos trilhos: cerca de 120 kilometros. Sahimos ás 7 h. am e viajamos, parando apenas para o almoço até 10 horas da noite. Fomos além do rio Jacy-Paraná. Estudei os acampamentos dos empregados e fiz as indagações que se me afiguraram de utilidade. A linha é admiravel, rasgada toda no meio da floresta virgem offerece offerece espectaculo grandioso, mostrando a riqueza consideravel deste verdadeiro El Dorado: É de lastimar que a tanta riqueza esteja associada a Morte: onde não reina exclusivamente o impaludismo de caracter pernicioso impera o beri-beri.

Nada temos porém, a receiar: os cuidados meticulosos que temos hão de nos preservar, como preservados estão todos os medicos que aqui residem.

Minha vida aqui tem sido de trabalho em que procuro afogar o caudal de saudade que me devora. Levo a examinar os numerosos doentes existentes no hospital, ao lado de que móro, trabalho no laboratorio, estudo embriagando o tempo afim de que não faça muito soffrer esta ausencia da familia.

Estou tudo dispondo para sahir daqui dentro de 15 a 20 dias e se assim for, ahi estarei na primeira quinzena de Setembro. Pelo telegrapho um fio te passei um telegramma noticiando minha chegada aqui. Creio que de V.V. não terei noticias senão na volta! As communicações para aqui são tão dificeis!

Adeus minha querida, beija e acaricia muito nossos filhinhos. Pede ao Bentinho que estude bem. Saudades a todos, muitos beijos Mamãi a quem peço dês noticias. Saudades caricias e beijos

de teu saudosissimo
Oswaldo

* As cartas foram reproduzidas com a grafia original. Foram retiradas em:
Biblioteca Virtual Oswaldo Cruz

Data Publicação: 18/01/2022