Na imagem, vê-se diversas embalagens vazias de medicamentos nas cores laranja, prata e vermelho.

Fig. 1. Dados do Conselho Regional de Farmácia do Paraná (2018) apontam que o Brasil é o sétimo país que mais consome fármacos no mundo. A população brasileira gera mais de 10 mil toneladas de resíduos de medicamentos por ano. Crédito: fotodrobik/iStock

 

Resíduos de medicamentos têm afetado a vida marinha do planeta. Existem algumas razões para que isso aconteça.

Você sabia que os remédios que tomamos não são totalmente absorvidos pelo nosso organismo? Agora, imagina onde esses resíduos de medicamentos vão parar! A maioria deles é eliminada do nosso corpo pela urina ou pelas fezes, tendo como destino, o esgoto. O problema é que a jornada desses compostos não acaba aí.

Como o tratamento de águas residuais, em geral, não é capaz de remover completamente os resíduos de medicamentos, eles acabam alcançando mares e rios. Por consequência, afetam os seres vivos que vivem nesses ambientes. E os efeitos não são poucos… Estudos têm identificado vários tipos de medicamentos no meio aquático. Entre eles, estão principalmente antidepressivos, hormônios, anti-hipertensivos, anti-inflamatórios, analgésicos, antibióticos e reguladores lipídicos.

 

Como os resíduos de medicamentos afetam a vida marinha?

O Invivo entrevistou o Dr. Enrico Mendes Saggioro, coordenador do Programa de Pós-Graduação em Saúde Pública e Meio Ambiente (ENSP/Fiocruz) e pesquisador do Laboratório de Avaliação e Promoção da Saúde Ambiental (IOC/Fiocruz). Ele explicou que o impacto de resíduos farmacêuticos nos seres aquáticos varia de acordo com as características do corpo de cada ser vivo e com as propriedades físico-químicas das moléculas desses medicamentos. De forma geral, no entanto, alguns seres são particularmente afetados. Entre eles, estão organismos produtores, como as algas e plantas; consumidores primários, como microcrustáceos; e consumidores secundários, como os peixes carnívoros.

 

Dois peixes, de coloração verde e nadadeiras cor de laranja, nadam no fundo do mar. A água é clara, de tom esverdeado.

Fig 2. Uma análise conduzida no Rio Niágara, na América do Norte, encontrou altas concentrações de antidepressivos em vários órgãos de peixes, sendo o cérebro o mais afetado. O peixe Scardinius erythrophthalmus, espécie retratada na imagem, revelou elevados níveis desses resíduos. Crédito: Roberto Rizzi/iStock

 

Os fármacos, explicou o pesquisador, foram projetados para atuar no corpo humano, e seus resíduos podem agir de forma semelhante nos organismos aquáticos. “Existe semelhança evolutiva de receptores e alvos moleculares de compostos farmacêuticos, principalmente com peixes”, destacou o Dr. Enrico. Além disso, quando resíduos de medicamentos diferentes ficam dispersos ao mesmo tempo no ambiente aquático, podem ocorrer interações, potencializando os efeitos.

Entre os possíveis impactos, estão a desregulação do sistema endócrino, que produz hormônios. Nesse caso, lembrou o especialista, pode ocorrer, por exemplo, o surgimento de caracteres sexuais masculinos em fêmeas de moluscos. Outra possibilidade é o desenvolvimento de alterações que comprometem o sucesso reprodutivo de peixes. O desenvolvimento de  resistência  bacteriana aos antibióticos é outra consequência possível. “Como desfecho final, podemos observar o declínio  na reprodução e população das espécies  aquáticas”, destacou o Dr. Enrico.

 

 

Fig 3. Experimento conduzido por pesquisadores da Alemanha, Polônia e Grécia mostrou que anfíbios também são afetados por esse problema. As três espécies das figuras acima foram expostas a compostos usados em anticoncepcionais e apresentaram comprometimento nos órgãos que produzem células sexuais. A imagem (a) representa a espécie Xenopus laevis – Crédito: kazakovmaksim/iStock; em (b) está Hyla arborea – Crédito: NATALYA DRALOVA/iStock e em (c) Bufo viridis – Crédito: MikeLane45/iStcok.

 

De onde vêm tantos resíduos de medicamentos?

Os remédios que consumimos no dia a dia são uma das principais fontes dessa contaminação, juntamente com aqueles utilizados nos hospitais. No entanto, existem outras fontes importantes, tal como o descarte inadequado dos medicamentos vencidos, os aterros sanitários e a agropecuária. Em todo o mundo, pesquisadores têm estudado tecnologias que possam ser capazes de remover contaminantes, inclusive os resíduos de medicamentos, das águas. Mas, apesar dos avanços, o Dr. Enrico explicou que as novas estratégias ainda não conseguem tratar os resíduos em larga escala.

Enquanto falamos de avanços tecnológicos, precisamos lembrar que, para muitos, essa realidade está ainda mais distante. 3,6 bilhões de pessoas, quase metade da população mundial, não têm nem sequer a garantia de saneamento básico, segundo a Organização das Nações Unidas (ONU). Aqui no país, o cenário não é melhor: cerca de 100 milhões de brasileiros não têm acesso à coleta de esgoto. É o que mostra um relatório do Instituto Trata Brasil, que analisou indicadores do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS) de 2020.

 

Água suja sai de uma manilha de esgoto em cimento direto sobre um leito de águas escuras. Há limo e manchas marrons em volta da manilha.

Fig 4. Quase metade da população mundial não tem acesso a saneamento básico. Crédito: Andrei310/iStock

 

Na prática, como explicou o Dr. Enrico, vemos uma grande proporção do esgoto gerado que não passa por nenhum tipo de tratamento e é descartada nos rios. Para piorar, faltam leis e programas governamentais para monitorar o destino desses resíduos farmacêuticos.

Mas será que também podemos fazer algo para melhorar esse cenário? De acordo com o Dr. Enrico, a diminuição do aporte dos resíduos de remédios no ambiente por parte da população passa por medidas de conscientização para o uso racional de medicamentos. Isso significa evitar medicar-se por conta própria. É preciso também usar os fármacos conforme prescrição do médico, respeitando todas as orientações, inclusive dose e tempo de tratamento.

 

Como descartar medicamentos corretamente

Medicações não utilizadas não devem ser descartadas no lixo comum, muito menos no ralo ou no vaso sanitário. O descarte deve ser feito em pontos de coleta específicos, por exemplo, farmácias e Unidades Básicas de Saúde. A maior parte dos medicamentos recolhidos é incinerada.

É muito importante também descartar corretamente os medicamentos vencidos, levando-os até postos de coletas em farmácias ou Unidades Básicas de Saúde. Caso você não encontre nenhuma perto de você, procure a Vigilância Sanitária do seu município. O Brasil tem uma lei sobre o descarte de medicamentos vencidos por parte do consumidor. Porém, o projeto de lei PLS 148/2011 busca incluir os medicamentos na Política Nacional de Resíduos Sólidos.

Consumir alimentos com selo verde é outro conselho do pesquisador, tal como carne de frango livre de antibióticos. Vale lembrar que o selo é uma certificação que evidencia que os produtos foram produzidos gerando o menor impacto ambiental possível.

 

Fontes consultadas:

Barbosa V. Coquetel de antidepressivos na água ameaça vida marinha. Exame. https://exame.com/ciencia/coquetel-de-antidepressivos-na-agua-ameaca-vida-marinha/. Publicado e atualizado em 04 de setembro de 2017. Acessado em 18 de maio de 2022.

Arnnok P, Singh R, Burakham R, Pérez-Fuentetaja A, Aga D. Selective Uptake and Bioaccumulation of Antidepressants in Fish from Effluent-Impacted Niagara River. Environmental Science & Technology. 2017;51(18):10652-10662. doi:10.1021/acs.est.7b02912

Tamschick S, Rozenblut-Kościsty B, Ogielska M et al. Impaired gonadal and somatic development corroborate vulnerability differences to the synthetic estrogen ethinylestradiol among deeply diverged anuran lineages. Aquatic Toxicology. 2016;177:503-514. doi:10.1016/j.aquatox.2016.07.001

Souza B, Silva K, Silva L, Araujo A. LOGÍSTICA REVERSA DE MEDICAMENTOS NO BRASIL / REVERSE LOGISTICS OF DRUGS IN BRAZIL. Brazilian Journal of Development. 2021;7(3):21224-21234. doi:10.34117/bjdv7n3-029

Unicef. Bilhões de pessoas não terão acesso a água potável, saneamento e higiene em 2030, a menos que o progresso quadruplique – alertam a OMS e o UNICEF. https://www.unicef.org/guineabissau/pt/comunicados-de-imprensa/bilh%C3%B5es-de-pessoas-n%C3%A3o-ter%C3%A3o-acesso-%C3%A1gua-pot%C3%A1vel-saneamentso-e-higiene-em. Publicado 5 dejulho de 2021. Acessado em 18 de maio de 2022.

Unicef.1 em cada 3 pessoas no mundo não tem acesso a água potável, dizem o UNICEF e a OMS. https://www.unicef.org/brazil/comunicados-de-imprensa/1-em-cada-3-pessoas-no-mundo-nao-tem-acesso-agua-potavel-dizem-unicef-oms. Publicado em 18 de junho de 2019. Acessado em 18 de maio de 2022.

Brasil, Ministério do Desenvolvimento Regional, Secretaria Nacional de Saneamento. Diagnóstico Temático Serviços de Água e Esgoto. Visão Geral – ano de referência 2020. http://www.snis.gov.br/downloads/diagnosticos/ae/2020/DIAGNOSTICO_TEMATICO_VISAO_GERAL_AE_SNIS_2021.pdf. Brasília, dezembro de 2021.

Trata Brasil. As melhores cidades de saneamento básico no Brasil investem quase 340% a mais do que municípios com quase acesso total aos serviços. https://tratabrasil.org.br/images/estudos/Ranking_do_Saneamento_2022/Relase_do_RS_2022.pdf.

UFF. Projeto da UFF alerta a população sobre os riscos do descarte inadequado de medicamentos. https://www.uff.br/?q=noticias/23-10-2019/projeto-da-uff-alerta-populacao-sobre-os-riscos-do-descarte-inadequado-de#:~:text=As%20consequ%C3%AAncias%20do%20descarte%20incorreto,por%20um%20processo%20de%20sele%C3%A7%C3%A3o. Publicado 23 de outubro de 2019. Acessado em 18 de maio de 2022

 

Por Teresa Santos

Data Publicação: 07/06/2022