Fig 1. Vacinas recomendadas pela OMS protegem contra o parasita transmissor da malária mais comum na África. Crédito: Manjurul/iStock

 

Saiba por que a vacina contra a Malária ainda tem utilidade limitada no Brasil

Você sabia que já existe vacina contra a malária? Sim! Desde 2021, a vacinação é mais uma estratégia que vem sendo usada para reduzir os mais de 200 milhões de casos dessa doença que são registrados por ano no mundo. Mas ainda existem muitos desafios pelo caminho. Atualmente, as duas vacinas recomendadas pela Organização Mundial da Saúde (OMS) conferem proteção contra uma das várias formas de malária humana. Por isso, no momento, cientistas continuam pesquisando novos imunizantes.

 

Duas espécies de parasita se destacam no mundo

A malária é causada pela picada do mosquito Anopheles, também conhecido como mosquito-prego, infectado por parasitas unicelulares do tipo Plasmodium. Dentre as várias espécies de Plasmodium existentes, duas são responsáveis pela maioria dos casos em humanos: Plasmodium falciparum e Plasmodium vivax.

A espécie que causa a forma mais letal da doença é P. falciparum. Ela é também a mais prevalente no continente africano. Segundo dados da OMS de 2022, 94% de todos os casos de malária registrados no mundo ocorreram na região africana. Já P. vivax é responsável pela maioria dos casos de malária registrados nas Américas, inclusive aqui no Brasil, e na Ásia.

A pesquisadora Irene Soares, professora titular do Departamento de Análises Clínicas e Toxicológicas da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Universidade de São Paulo (FCF-USP), explicou ao portal Invivo que as duas espécies de Plasmodium têm biologia diferente.

Ambas infectam células sanguíneas (hemácias), porém P. vivax age apenas sobre células jovens, enquanto P. falciparum atua também em células maduras. Outro detalhe é que, por enquanto, pesquisadores só conseguiram cultivar de forma eficiente em laboratório P. falciparum.

 

Fig 2. Existem centenas de espécies do gênero Anopheles, mas pouco mais de uma dezena tem papel importante na transmissão da malária. A imagem acima é da fêmea de Anopheles darlingi, a espécie que é o principal vetor da malária no Brasil. Crédito: Fábio Costa/Flickr

 

Vacinas aprovadas atuam contra forma da doença mais prevalente na África

Preparados para uma ‘sopa de letras’? É que as duas vacinas contra a malária atualmente recomendadas pela OMS têm nomes para lá de desafiadores: RTS,S/AS01 (nome comercial Mosquirix) e R21/Matrix-M. Ambas conferem proteção contra a infecção por P. falciparum.

Em 2021, a OMS recomendou a vacina Mosquirix, desenvolvida pela farmacêutica britânica GlaxoSmithKline (GSK). E, dois anos depois, em 2023, foi a vez da vacina R21/Matrix-M, desenvolvida pela Universidade de Oxford, no Reino Unido.

Os dois imunizantes são destinados à prevenção de malária em crianças. Eles devem ser aplicados em um esquema de quatro doses, a partir dos cinco meses de idade.

Estudos prévios feitos em países africanos com a primeira vacina aprovada pela OMS revelaram uma queda de 13% na mortalidade entre as crianças. Também houve redução importante na taxa de hospitalizações por casos graves da doença.

Em janeiro de 2024, Camarões, na África, tornou-se o primeiro país do mundo a incluir uma vacina contra a malária nos serviços de imunização. A medida veio acompanhada de uma campanha nacional de promoção da vacinação em bebês.

 

Fig 3. Em janeiro de 2024, Camarões, na África, iniciou a distribuição gratuita da vacina Mosquirix a crianças de até seis meses de idade. Crédito: svetikd/iStock

 

Estudos para uma nova vacina contra a Malária avançam no Brasil

Como as duas vacinas disponíveis atuam contra P. falciparum, parasita menos frequente no Brasil, elas não são a melhor opção para controle da malária por aqui. Mas o cenário pode mudar nos próximos anos graças a estudos que estão em andamento.

A pesquisadora Irene Soares coordena um grupo da USP que está desenvolvendo um imunizante contra P. vivax, parasita que causa mais de 80% dos casos de malária no Brasil. A pesquisa está sendo feita em parceria com o Centro de Tecnologia de Vacinas (CT-Vacinas), da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), e com grupos de pesquisa internacionais.

Ela explicou que a vacina em que estão criando baseia-se na mesma proteína-alvo das vacinas aprovadas pela OMS, porém trabalha com uma sequência molecular que só P. vivax possui. Além disso, o novo imunizante será capaz de conferir proteção contra três variantes genéticas de P. vivax que circulam na natureza.

“Toda a etapa de seleção do alvo vacinal, construção da vacina recombinante e testes preliminares em modelo animal de camundongo foi feita na FCF-USP”, explicou Irene. Já o grupo do CT-Vacinas, da UFMG, sob coordenação do Dr. Ricardo Gazzinelli, permitirá cumprir as etapas necessárias para levar a vacina ao braço dos voluntários. “Uma previsão muito otimista é que possamos iniciar os ensaios clínicos (estudos em seres humanos) no próximo ano”, destacou a pesquisadora da USP.

O estudo conta ainda com a parceria da Universidade de Nebraska, nos Estados Unidos, que está produzindo uma substância fundamental para que o imunizante seja capaz de produzir o efeito desejado: o IFA (insumo farmacêutico ativo). E há ainda colaboração do Instituto Pasteur de Paris nos testes com camundongos.

 

Fig 4. Como ainda não existe um sistema eficiente de cultivo em laboratório de P. vivax, a pesquisa da USP e parceiros utiliza parasitas modificados geneticamente (transgênicos) em testes em camundongos. A etapa tem sido feita no Instituto Pasteur de Paris, pois depende de uma espécie do mosquito Anopheles que não circula no Brasil. Crédito: unoL/iStock

 

Fontes consultadas:

Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS)/Organização Mundial da Saúde (OMS). Malária. Disponível em: https://www.paho.org/pt/topicos/malaria. Acesso: 18 abr 2024

Organização Mundial da Saúde (OMS). Malaria. Disponível em: https://www.who.int/news-room/fact-sheets/detail/malaria. Publicação: 4 dez 2023. Acesso: 18 abr 2024

Maraccini, Gabriela. CNN. Camarões é o primeiro país a lançar campanha de vacinação contra malária. Disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/saude/camaroes-e-o-primeiro-pais-a-lancar-campanha-de-vacinacao-contra-malaria/. Publicação: 30 jan 2024. Acesso: 18 abr 2024

Organização Mundial da Saúde (OMS). Malaria vaccines (RTS,S and R21). Disponível em: https://www.who.int/news-room/questions-and-answers/item/q-a-on-rts-s-malaria-vaccine. Publicação: 17 jan 2024. Acesso: 18 abr 2024

Jokura, Tiago. Pesquisa Fapesp. Imunização pioneira: Vacina contra a malária recomendada pela OMS para crianças da África é a primeira que protege humanos de um parasita. Disponível em: https://revistapesquisa.fapesp.br/imunizacao-pioneira/. Publicação: 27 out 2021. Atualização: 18 jan 2022. Acesso: 18 abr 2024

Associação Médica Brasileira (AMB). Vacinas para malária não são úteis no Brasil e destacam importância do desenvolvimento nacional de imunizantes. Disponível em: https://amb.org.br/brasilia-urgente/vacinas-para-malaria-nao-sao-uteis-no-brasil-e-destacam-importancia-do-desenvolvimento-nacional-de-imunizantes/. Acesso: 18 abr 2024

 

Por Teresa Santos

Data Publicação: 25/04/2024