Fig 1. O uso de preservativo durante a relação sexual é a medida mais eficaz e indicada para prevenir as infecções sexualmente transmissíveis (ISTs). Crédito: Liudmila Chernetska/iStock

 

Esse texto é uma adaptação da matéria “Precisamos falar sobre sexo e ISTs: Dados mostram que a prevenção é para todas as idades, gêneros e orientação sexual”, publicada originalmente no jornal Maré de Notícias em março de 2023 (edição n°146), veículo associado ao site Invivo.

 

Prevenção é para todas as idades, gêneros e orientação sexual

Em 2022, o Brasil registrou 51 mil novas infecções pelo vírus da imunodeficiência humana (HIV), segundo relatório do Programa das Nações Unidas sobre HIV/aids (Unaids). No mesmo ano, de acordo com o Ministério da Saúde, o país somou mais de 212 mil casos de sífilis adquirida. Já os casos de hepatite superaram a marca de 24 mil. HIV, hepatites virais (principalmente B e C) e a sífilis são infecções sexualmente transmissíveis (ISTs), um grupo amplo de doenças causadas por vírus, bactérias, fungos, protozoários e parasitas. As ISTs podem ser contraídas durante relação sexual desprotegida e não importa a idade, estado civil, classe social, identidade de gênero, orientação sexual, credo ou religião. Elas representam um problema de saúde pública e são uma discussão necessária para todos.

Grupo amplo

Além de poderem ser causadas por diferentes agentes infecciosos, as ISTs também podem se manifestar de formas variadas. Algumas podem provocar sintomas como feridas, corrimento e verrugas, enquanto outras não apresentam alterações aparentes, e por isso a prevenção, o correto diagnóstico e o tratamento são fundamentais. Quando não diagnosticadas e tratadas, as ISTs podem levar a complicações como gravidez fora do útero, infertilidade, câncer, problemas mentais, e até mesmo a morte.

Confira na tabela abaixo algumas ISTs e os respectivos agentes infecciosos.

 

Crédito: Invivo

 

Atenção via SUS

Existem algumas vacinas para prevenir ISTs; como as causadas pelo papilomavírus humano (HPV) ou pelo vírus da hepatite B (HVB). E ambas estão disponíveis no Sistema Único de Saúde (SUS).

No caso da vacina contra o HPV, ela é aplicada em duas doses no público-alvo, formado por crianças e adolescentes entre 9 e 14 anos. Além deles, pessoas de até 45 anos vivendo com HIV; transplantados de órgãos sólidos ou medula óssea; e pacientes oncológicos também podem receber a vacina, em um esquema de três doses.

Também em três doses, a vacina contra a hepatite B deve ser aplicada (a primeira dose) já nos primeiros 30 dias de vida. É importante, ao longo da vida, verificar se o esquema primário da vacinação foi completado.

Como são infecções sexualmente transmissíveis, a medida mais eficaz e mais indicada para preveni-las é o uso de preservativos. Segundo a infectologista Emilia Jalil, do Laboratório de Pesquisa Clínica em IST e Aids (LapClin Aids) do Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas (INI/Fiocruz), “de maneira geral, eles protegem contra vários tipos de IST, tanto as virais quanto as bacterianas, e são um mecanismo de prevenção bastante eficaz”.

Vale lembrar que os preservativos (masculino e feminino) são distribuídos gratuitamente nos centros municipais de saúde e clínicas de família.

 

Fig 2. É possível ter acesso gratuitamente a preservativos masculino e feminino em postos de saúde em todo o Brasil. Crédito: Ministério da Saúde/Flickr

 

Prevenção contra o HIV

Além da camisinha, existem ainda outras estratégias que ajudam a evitar a transmissão do HIV, por exemplo, a profilaxia pré-exposição (PrEP) e a profilaxia pós-exposição (PEP). Em ambos os casos, são utilizados medicamentos: os chamados antirretrovirais. Elas também estão disponíveis no SUS, via prescrição de um profissional de saúde.

A PrEP é destinada às pessoas que não vivem com o HIV, mas são mais vulneráveis à infecção pelo vírus. Segundo as diretrizes do Ministério da Saúde, são elas gays, homens que fazem sexo com homens (HSH), profissionais do sexo, homens e mulheres trans, travestis e casais sorodiferentes (quando um tem HIV e outro não).

O tratamento consiste na administração de um único comprimido de medicação antirretroviral, diariamente. Aqueles que fazem parte de um dos grupos acima e têm mais de 15 anos podem obter gratuitamente a PrEP em unidades de saúde pública.

A PEP, por sua vez, é o protocolo de urgência, com a administração diária de dois medicamentos antirretrovirais por 28 dias para impedir que a pessoa que foi exposta ao vírus HIV adquira a infecção. Por isso, é preciso antes fazer a testagem; se o indivíduo já for soropositivo, ele receberá o tratamento contra a doença e não a profilaxia.

A medicação precisa ser administrada até 72 horas depois da exposição de risco — são eles situações de violência sexual; sexo consentido, porém sem camisinha; contato direto com substâncias como sangue, sêmen e secreção vaginal contaminados; e acidentes com instrumentos que porventura resultaram em ferimentos na pele (por menor que sejam) durante a manipulação de material biológico contaminado. Clique aqui para saber mais sobre essas medidas preventivas!

Fig 3. Segundo dados do Painel PrEP, somente em 2022 36.535 pessoas iniciaram o uso de PrEP no país. Crédito: James Yarema/Unsplash

Preconceito diário

No dia a dia, ainda há barreiras que dificultam o combate às ISTs, especialmente para o público feminino. Segundo a infectologista da Fiocruz, uma das principais dificuldades é a utilização do preservativo: esta é uma decisão do casal, mas sempre recai sobre a mulher a responsabilidade por seu uso.

Outro fator importante diz respeito ao atendimento nas unidades de saúde. Para Emília, falta um olhar mais individualizado: “Muitas vezes os profissionais têm dificuldade de informar corretamente e de enxergar a pessoa — trans, travesti ou cis — como paciente singular, com características próprias. Então, não é porque é travesti que necessariamente é vulnerável à IST, tampouco deixa de ter vulnerabilidade ao HIV porque é cis. Cada pessoa é única, tem sua individualidade e isso precisa ser respeitado”.

Dayane Gusmão é assistente social e fundadora da Casa Resistência Lésbica da Maré, complexo que reúne 16 favelas na Zona Norte da cidade do Rio de Janeiro. Ela relembra que este tipo de dificuldade foi um dos principais motivadores para fundar o coletivo que acolhe mulheres cisgênero (que se identificam com gênero designado ao nascimento) e trans (que não se identificam com gênero designado ao nascimento) no conjunto de favelas.

“Já vivenciei situações de eu querer fazer um preventivo e a médica dizer que não era preciso porque sou lésbica e não me relaciono sexualmente com homens. Nunca soube sobre ISTs que podem ocorrer na relação entre lésbicas. Eu só tive acesso a essas informações no movimento social, com lideranças que sabem desse vácuo e que ministravam oficinas. Como minha experiência foi essa, acabei conduzindo a coletiva nesse caminho”, conclui a assistente social, destacando que as mulheres que têm comportamentos que fogem ao imposto pela sociedade no que diz respeito aos relacionamentos sexuais têm maior dificuldade de ter acesso à informação sobre saúde sexual e reprodutiva.

Além de dificuldades como essa, Emilia Jalil também ressalta que, ao falar em IST, o foco recai sobre comportamentos de risco e questões biológicas; porém, frequentemente as estratégias preventivas esbarram em questões sociais e econômicas.
Segundo ela, “pessoas com algum tipo de vulnerabilidade social e econômica, por exemplo, que não têm acesso a emprego, que vivem em um contexto de marginalização, com escolaridade baixa, pessoas negras e indígenas — esses indivíduos compõem grupos que têm menor acesso à saúde, a diagnóstico, prevenção e tratamento”.

A coordenadora da Casa Nem e idealizadora do Instituto Trans da Maré, Lohana Carla, aponta a ausência de programas de prevenção na Maré. “Do que vejo, não são muito divulgadas as informações sobre prevenção de ISTs, principalmente aqui na comunidade. No instituto, sempre fazemos rodas de conversa, chamamos profissionais para falar e explicar às mulheres, travestis e trans sobre a prevenção às ISTs. Muitas dessas pessoas são profissionais do sexo e precisam de informação sobre como se cuidar”, diz ela.
Lohana conta com a parceria da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e do Grupo pela VIDDA do Rio de Janeiro (GPV-RJ), a primeira entidade no Brasil, fundada pelo sociólogo e escritor Herbert Daniel (o Betinho), para pessoas portadoras do HIV e com Aids, e que hoje auxilia e orienta quanto às ISTs.

Por Teresa Santos e Samara Oliveira

 

Fontes consultadas

UNAIDS. Relatório global do UNAIDS 2023. Disponível em: https://unaids.org.br/2023/07/relatorio-global-do-unaids-mostra-que-a-pandemia-de-aids-pode-acabar-ate-2030-e-descreve-o-caminho-para-alcancar-esse-objetivo/. Publicação: 13 jul 2023. Acesso: 06 dez 2023

Ministério da Saúde. Departamento de HIV/AIDS, Tuberculose, Hepatites Virais e Infecções Sexualmente Transmissíveis – DATHI. Indicadores e Dados Básicos de Sífilis nos Municípios Brasileiros. Disponível em: http://indicadoressifilis.aids.gov.br/. Acesso: 06 dez 2023

Agência de Notícias da Aids. O Globo: Sudeste concentra quase metade dos casos de hepatite no país; doença registra queda. Disponível em: https://agenciaaids.com.br/noticia/o-globo-sudeste-concentra-quase-metade-dos-casos-de-hepatite-no-pais-doenca-registra-queda/. Publicação: 21 jul 2023. Acesso: 06 dez 2023

Ministério da Saúde. Departamento de Doenças de Condições Crônicas e Infecções Sexualmente Transmissíveis. Prevenção. Disponível em: http://antigo.aids.gov.br/pt-br/publico-geral/infeccoes-sexualmente-transmissiveis/prevencao. Acesso: 06 dez 2023

Ministério da Saúde. Departamento de HIV/Aids, Tuberculose, Hepatites Virais e Infecções Sexualmente Transmissíveis. Painel PrEP. Disponível em: https://www.gov.br/aids/pt-br/assuntos/prevencao-combinada/prep-profilaxia-pre-exposicao/painel-prep. Atualização: 14 set 2023. Acesso: 06 dez 2023

Data Publicação: 06/12/2023