Ampolas de vacina são seguradas nas mãos por uma pessoa de pele branca, mais velha, que usa uma camisa branca com dizeres em azul e vermelho. Ao centro, lê-se "Vacinar para não voltar". Crédito: Gustavo Furtado/Icict/Fiocruz

Fig. 1 Bio-Manguinhos/Fiocruz está coordenando o Projeto Reconquista das Altas Coberturas Vacinais, ao lado da Secretaria de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde (SVS/MS). Crédito: Gustavo Furtado/Icict/Fiocruz

 

A baixa cobertura vacinal é uma ameaça ao controle da poliomielite no Brasil

“Você está protegido? Tome todas as vacinas”. Esse é o chamado que a Organização Pan-Americana da Saúde (Opas) está fazendo no final do mês de abril, quando celebra a Semana de Vacinação nas Américas (SVA) e a Semana Mundial de Imunização (SMI). O chamado é mais do que necessário porque a quantidade de pessoas, sobretudo crianças, vacinadas contra certas doenças tem caído em todo o mundo, inclusive no Brasil. Por aqui, o declínio das taxas de vacinação trouxe o retorno do sarampo e nos levou à lista de países com alto risco de volta da poliomielite. Após mais de 30 anos sem registros de pólio, doença também conhecida como paralisia infantil, podemos voltar a conviver com esse grave problema. Mas o que isso significa?

 

Ilustração mostra uma mulher de pele morena, coque e jaleco branco. Ela segura uma seringa com um líquido amarelo e um escudo. Sobre o escudo, aparecem elementos gráficos em formato redondo que fazem menção a vírus. Toda a cena acontece sobre um fundo azul marinho.

Fig 2. Vacina confere proteção individual, mas também confere proteção coletiva quando alcança altas coberturas vacinais, isto é, quando cerca de 95% ou mais das pessoas que devem se vacinar de fato recebem a vacina. Crédito: nadia_bormotova/iStock

 

O que é a poliomielite?

A poliomielite é causada pelo poliovírus (sorotipos 1, 2 e 3) e pode acometer tanto crianças quanto adultos, embora afete principalmente menores de cinco anos de idade. A transmissão ocorre mais frequentemente por via fecal-oral, isto é, por objetos, alimentos e água contaminados com fezes infectadas pelo poliovírus. A transmissão por via oral-oral também pode acontecer e, nesse caso, o vírus é transmitido por gotículas expelidas ao falar, tossir ou espirrar.

Uma vez infectada, a maioria das pessoas não apresenta sintomas, porém, 5 a10 em cada 100 infectados podem ter sintomas semelhantes aos da gripe. Já em 1 a cada 200 casos, o vírus ataca o sistema nervoso, causando paralisia permanente nas pernas ou braços. Ainda que menos frequente, a infecção pelo poliovírus pode também causar paralisia dos músculos respiratórios, o que pode levar à morte.

 

Mundo está próximo da erradicação global da doença…

A Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que, em 1988, havia cerca de 350 mil casos de poliomielite em mais de 125 países endêmicos, ou seja, em nações que conviviam com a infecção por poliovírus constantemente. Graças à expansão dos programas de imunização, esse número caiu para 29 em 2018.

No Brasil, dados do Ministério da Saúde mostram que houve mais de 26 mil registros de poliomielite entre 1968 e 1989. Em 1980, foi iniciada a Campanha Nacional de Vacinação contra a Poliomielite e, em 1989, registramos o último caso da doença. Em 1994, o Brasil recebeu o certificado de eliminação da poliomielite. No mesmo ano, a Região das Américas foi certificada como livre da pólio, seguida pelo Pacífico Ocidental em 2000 e pela Europa em 2002. Em 2014, foi a vez do Sudeste Asiático e, em 2020, de 47 países da região africana.

 

Menino de pele negra está com a boca aberta, recebendo uma dose de vacina em formato de gota. Uma mão com luva segura uma ampola sobre sua boca. Crédito: Kendra Helmer/USAID/Flickr.

Fig 3. Expansão da vacinação infantil foi responsável pela eliminação do vírus da pólio em vários países do mundo. Crédito: Kendra Helmer/USAID/Flickr. https://www.flickr.com/photos/usaid_images/16019778349

 

… Mas baixas coberturas vacinais acendem um sinal de alerta

Em entrevista ao Invivo, o Dr. Akira Homma, assessor científico sênior de Bio-Manguinhos, destacou que “estamos na véspera da erradicação global”, o que representa uma conquista mundial de saúde pública, porém há dois países, Afeganistão e Paquistão, que ainda têm o vírus da poliomielite endêmico. Além disso, algumas nações apresentam casos de poliomielite derivados de vírus vacinal, ou seja, de vírus da pólio “enfraquecidos” que são usados nas vacinas.

Os casos de poliomielite derivados de vírus vacinal se tornam uma questão especialmente relevante quando há um declínio das taxas de imunização. “Quando temos baixa cobertura vacinal, damos a vacina com vírus vivo atenuado a uma criança, ele se implanta, se multiplica e é expelido no meio ambiente, onde pode infectar outra criança desprotegida, suscetível. Vamos ter então a passagem do vírus sucessivamente por várias crianças e a mutação ocorre; o vírus volta a ser selvagem e causa doença. É isso que estamos verificando em pelo menos meia dúzia de países com uma dúzia de casos que são determinados por vírus derivado de vacina”, explicou o Dr. Akira.

Em 2022, foram detectados casos de poliomielite no Malaui, no sudeste da África, e em Israel, países que já estavam livres da doença há anos.

 

Como anda a vacinação no Brasil

Fig. 4 Segundo dados do Ministério da Saúde, entre 2015 e 2021, a queda da cobertura vacinal contra a poliomielite foi superior a 30 pontos percentuais. Crédito: puruan/ iStock

No Brasil, o Programa Nacional de Imunizações (PNI) disponibiliza a vacina inativada poliomielite (VIP) como rotina na vacinação infantil aos dois, quatro e seis meses de idade e o reforço com a vacina oral poliomielite (VOP) aos 15 meses e aos quatro anos de idade. A VOP contém o vírus da pólio vivo, porém “enfraquecido”.

Em um cenário ideal, pelo menos 95% das crianças deveriam estar imunizadas contra a pólio. Embora já tenhamos alcançado essa cobertura em anos anteriores, desde 2016 temos ficado abaixo dessa meta. Dados do Ministério da Saúde mostram que, em 2021, vacinamos menos de 68% das crianças.

Devido à baixa taxa de vacinação, em 2021, a Opas colocou o Brasil, juntamente com Bolívia, Equador, Guatemala, Haiti, Paraguai, Suriname e Venezuela na lista de nações com alto risco de volta da poliomielite. A queda da cobertura vacinal, segundo o Dr. Akira, é altamente preocupante. “Em 2019, a OMS considerou as baixas coberturas vacinais como um dos dez maiores problemas de saúde pública do mundo. Realmente, a prevenção das doenças via vacinas é uma das atividades de maior custo-benefício que temos em saúde pública, sendo comparável aos benefícios determinados pela água potável”, destacou.

Para o especialista, a pandemia de covid-19 contribuiu para a queda da cobertura vacinal, porém, há outros fatores. Entre eles, está o fato de não vermos mais surtos da doença, o que pode prejudicar a percepção quanto à necessidade das vacinas. “Falta comunicação, falta informação. As pessoas precisam se convencer de que é importante e saber que, tomando a vacina, terão proteção individual, mas que a proteção coletiva só é alcançada quando obtemos altas coberturas vacinais”, destacou, lembrando que outra demanda é melhorar o acesso às vacinas.

 

 

Fontes consultadas:

OPAS/OMS. Semana de Vacinação nas Américas 2022. https://www.paho.org/pt/campanhas/semana-vacinacao-nas-americas-2022. Acessado em 8 de abril de 2022.

Zorzetto R. O TOMBO NA VACINAÇÃO INFANTIL. Pesquisa Fapesp. https://revistapesquisa.fapesp.br/o-tombo-na-vacinacao-infantil/ Edição 313. mar. 2022. Publicado on-line em 25 fev 2022. Acessado em 8 de abril de 2022.

Fiocruz. A poliomielite. https://portal.fiocruz.br/noticia/poliomielite Publicado 15 de junho de 2011. Acessado em 8 de abril de 2022.

Bio-Manguinhos/Fiocruz. Poliomielite: sintomas, transmissão e prevenção. https://www.bio.fiocruz.br/index.php/br/poliomielite-sintomas-transmissao-e-prevencao. Atualizado em 04 Abril 2022. Acessado em 8 de abril de 2022.

BVS Biblioteca virtual em saúde / Ministério da Saúde. Poliomielite (paralisia infantil). https://bvsms.saude.gov.br/poliomielite-paralisia-infantil/. Acessado em 8 de abril de 2022.

OPAS/OMS. Poliomielite. https://www.paho.org/pt/topicos/poliomielite#:~:text=Os%20casos%20de%20poliomielite%20diminu%C3%ADram,risco%20de%20contrair%20a%20poliomielite. Acessado em 8 de abril de 2022.

SBMT. Rubéola e poliomielite: doenças eliminadas voltam ameaçar o Brasil. https://www.sbmt.org.br/portal/rubeola-e-poliomielite-doencas-eliminadas-voltam-ameacar-o-brasil/. Publicado em 11 de setembro de 2019. Acessado em 8 de abril de 2022.

OPAS/OMS.OPAS comemora conquista da região da África na eliminação do poliovírus selvagem. https://www.paho.org/pt/noticias/25-8-2020-opas-comemora-conquista-da-regiao-da-africa-na-eliminacao-do-poliovirus-selvagem. Publicado em 25 de agosto de 2020. Acessado em 8 de abril de 2022.

Biernath A. Como Brasil entrou em lista de ‘alto risco’ de volta da pólio. BBC News Brasil. https://www.bbc.com/portuguese/brasil-59646001 . Publicado em 14 de dezembro de 2021. Acessado em 8 de abril de 2022.

 

Por Teresa Santos

Data Publicação: 25/04/2022